sexta-feira, 16 de abril de 2010

Les Ramens - como andam suas capacidades de tradutor(a)?

Esse cara faz uma música muito legal, usando um aplicativo para IPhone chamado EveryDay Looper. Quando você começa a assistir, pode achar que é uma bobeira, mas à medida que ele vai acrescentando novos sons e fazendo a mixagem, o resultado é impressionante.
.

.
O texto também é bastante divertido. Diz o seguinte:
.
Faire les courses j’ai trop la flemme,
je ne mange plus que des ramens,
qui ont le même gt
poulet en poudre,
mais que c'est bon.

.
Para quem estuda francês, há muito o que observar nesse vídeo:
.
1 - Observe nosso amigo Ed pronunciando o "e" não acentuado em final de sílaba (marcado de vermelho no texto). Não apenas escute, mas preste atenção na articulação labial: é desse fonema (cuja transcrição fonológica é [ə]) que eu falei em meu texto sobre os acentos em francês. Você vai ver que ele é completamente diferente dos fonemas [e] ou [ɛ], marcados de verde. Coloquei da mesma cor porque muitos franceses tendem a aproximá-los bastante, privilegiando uma articulação mais "fechada".
.
2 - Por falar em "e" não acentuado, repare que, quando ele se encontra em final de palavra, simplesmente some. Em algumas regiões no Sul da França, costuma-se pronunciá-lo como o som marcado de vermelho mas, no resto do país, ele é "engolido" numa boa. Olhe bem as letras em cinza.
.
3 - Outro detalhe interessante é a maneira como as palavras em inglês são pronunciadas em francês. Na introdução, ele diz várias: everyday, looper, cool, IPhone. Por favor, veja bem que os franceses pronunciam o inglês à moda francesa da mesma maneira que os brasileiros pronunciam com o sotaque tupiniquim. Não tem nada da antiamericano nisso. Já falei sobre isso outro dia.
.
4 -
Ainda em termos de pronúncia, fique de olho / ouvido vivo na oposição entre [u], marcado de lilás, e [y], marcado de azul.
.
5 - Com relação à gramática, leia minha postagem sobre a expressão da restrição em francês para ter certeza de que entendeu direito o segundo verso.
.
Mas eu já te dei muita coisa de mão beijada. Que tal você colocar uma tradução da letra dessa música nos comentários? Evidentemente, não peço uma versão em português, apenas o texto na forma mais natural / coloquial possível em nossa língua.
.
Grande abraço.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

MOZÉS: ERÉS CODÓ!!

Confira o vídeo desse "pastor muito louco". Só para informação: o que ele queria dizer com "Erés codó" é Eretz Kodesh ("terra sagrada", em hebraico - nada que o Wikipédia não resolva).

Como sempre, rir é o melhor remédio. Confira também a versão funk:



sexta-feira, 9 de abril de 2010

2 entrevistas com Chico Buarque

Como a gente provavelmente nunca vai ter o prazer de bater um papo com o Chico Buarque, fica aí para vocês o que nosso grande poeta diz sobre o racismo no Brasil. Com leveza e inteligência, Chico mostra o absurdo de haver tanta gente se achando "branca" num país que tem na mestiçagem sua maior riqueza. (Para quem pensar em meu texto sobre o Dia da consciência negra, vale dizer que o fato de o racismo contra os negros ser uma realidade inegável não justifica nenhum tipo de "racismo compensatório" contra os supostos brancos.)
.
.
Mas como nosso querido Chico, além de grande compositor, ainda é poliglota, segue uma entrevista bastante irreverente que ele deu a uma televisão francesa, provavelmente no início dos anos 90. Ainda dá para curtir algumas músicas. Uma boa alma se deu o trabalho de traduzir a entrevista, então vou passar esse belo trabalho adiante, colocando-o nos comentários. Caso você encontre algum erro, deixe num comentário.
.
(Longe de mim querer colocar Chico Buarque para baixo, mas ele comete uns errinhos aqui e ali. Coisa boba, provavelmente distrações, porque ele fala muito bem mesmo. Mas você é capaz de identificar esses pequenos deslizes? Coloque a resposta nos comentários.)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Por que, em francês, a negação é composta de duas palavras?

Em 7 anos ensinando francês, já perdi a conta de quantas vezes usei aquele cacoete aprendido com uma antiga professora: sempre que alguém esquecia de usar o pas da negação, ela dava um tapinha no quadro ou na própria mão, para fazer um "pá" e a gente não deixar a negação pela metade.
.
Antes de entrar no assunto que me interessa hoje, convém lembrar que nem toda negação leva pas, como mencionei numa postagem recente. Não vou entrar em detalhes porque basta você consultar uma gramática ou o dossier do B1. O que eu gostaria é de responder à pergunta que, por razões compreensíveis, não costuma ser abordada nos livros didáticos: Por que, em francês, a negação é composta de duas palavras?
.
O fato é que ne (muito frequentemente n', clique aqui para revisar) contém apenas um e sem acento e, portanto, é uma palavra muito fraquinha: se bobear a gente nem ouve. Assim, já na Idade Média, os falantes de francês sentiam necessidade de marcar a negação de modo mais claro, e para isso empregavam alguns monossílabos, de acordo com o verbo. Exemplos:
.
Je ne marche pas. Je n'avance pas. (Eu não ando / avanço passo.)
Je n'écris point. (Eu não escrevo ponto.)
Je ne dis mot. (Eu não digo palavra.)
Je ne mange mie. (Eu não como migalha.)
Je ne bois goutte. (Eu não bebo gota.)
.
Como se pode ver, os verbos tinham a ver com o sentido específico dessas palavras (que até hoje continuam substantivos autônomos, já fiz até um poema brincando com isso). Ao longo do tempo, pas se generalizou como o mais importante desses auxiliares de negação, passando a ser usado no lugar dos outros. Em francês culto escrito, ainda se pode encontrar exemplos dessas antigas negações, especialmente com point, que funciona como uma negação um pouco mais enfática do que o simples pas. Há diversos provérbios e citações bíblicas ou literárias com point.
.
Na língua falada de hoje em dia, por outro lado, só se ouve pas, a não ser nos casos em que a presença de uma outra palavra de sentido negativo (plus, jamais, personne, rien, aucun) já dá conta do recado. Na verdade, a tendência na oralidade é "engolir" o ne / n', que é a parte menos importante da negação. Ainda assim, é importante lembrar que o francês rebuscado (la langue soutenue) admite a formação de algumas negações apenas com o ne, especialmente com os verbos savoir e pouvoir. É célebre a frase do Tartuffe de Molière: Cachez donc ce sein que je ne saurais voir. "Esconda esse seio que eu não saberia (= poderia) ver." Um outro exemplo: je ne peux vous répondre ("não posso lhe responder"), que normalmente se diz je ne peux pas vous répondre.
.
Há, entretanto, construções com ne (sem pas) que não são negativas: o chamado ne explétif, ao qual já fiz alusão outro dia, e a construção ne... que, que já mereceu uma postagem bem detalhada.
.
Para terminar, vamos apenas recordar que a negação com duas palavras também existe naquela língua exótica chamada português: devido à nossa inclinação a pronunciar o "não" como "num" (em muitíssimas situações, pronunciar "não" muito direitinho soa até antipático), sentimos necessidade de jogar um outro "não" ou um "nada" no final da frase. Vem à minha mente o eco de antigos diálogos com minha avó:
- Para de ler e vai dormir, menino!
- Num vou, não! (Ou simplesmente "vou não") Eu vou dormir na hora que quiser!
- Vai nada!
(Fim de papo.)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Quem quer trocar uma Bíblia por uma revista pornô?

Clicando aqui, você pode conferir uma pequena discussão sobre uma campanha bem polêmica realizada por estudantes da Universidade de San Antonio, no Texas (EUA). Eles ofereceram a seus colegas uma revista ou vídeo pornográficos em troca de uma Bíblia. O objetivo era evidenciar que o Antigo Testamento é tão misógino e sexista quanto as revistas de mulher pelada ou os filmes pornô. Após a apresentação da campanha por seu idealizador, você tem a reação de um ativista cristão, que lançou uma campanha oposta. Cada um defende seu ponto de vista, você lê um pouco em francês para treinar e tira suas próprias conclusões.
.
É claro que, se você conhece meu blog, sabe muito bem de que lado estou, então não vou fingir que sou imparcial: o que mais me escandaliza no texto do cristão é exatamente que ele chame de escandalosa a publicidade ateia (que eu já mostrei outro dia, clique aqui) que dizia "Deus provavelmente não existe, então pare de se preocupar e aproveite a sua vida". (Lógico que, quando um religioso diz que quem não acredita em Deus vai queimar por toda a eternidade no inferno, isso não é nada ofensivo, não é?)
.
Como os textos são em francês e eu estou de muito bom humor, segue um pequeno vocabulário que pode facilitar a sua vida:
.
broyeuse : trituradora (não me parece o melhor lugar para se colocar um livro, seja ele qual for)
brûler : queimar
cocon : casulo; "ninho", em sentido figurado
être à court de : estar em falta de
mal prendre quelque chose : levar algo a mal
musclé : musculoso; tenso, difícil (quando se trata de uma discussão)
pancarte : cartaz de segurar
rabaisser : rebaixar
réagir au quart de tour : reagir imediatamente
y compris : inclusive
.
Além disso, vou colocar nos comentários um pequeno vocabulário ligado ao assunto, para matar sua curiosidade, já que seu professor provavelmente não vai ensinar isso em sala de aula. (Não coloco dentro da postagem porque as palavras "de baixo calão" poderiam chocar alguns leitores.)

"Je ne t'aime plus", de Manu Chao

Um monte de gente pensa que Manu Chao é sul-americano, de tanto que ele gravou em castelhano (sem sotaque, porque ele é bilíngue) e visitou nosso continente. Mas ele é francês, e seu nome verdadeiro, José-Manuel Thomas Arthur Chao, deixa clara sua origem espanhola.
.
Abaixo, você confere uma de suas composições mais conhecidas, que eu passo para minhas turmas de Básico 1 e que é uma verdadeira aula sobre a negação em francês. Não tem nenhuma frase com pas, mas tem a negação do infinitivo e do partitivo, o uso de plus, jamais, plus jamais, plus rien, uso do n', omissão do ne em diversas frases... O melhor exemplo, para mim, o que condensa vários do fenômenos mencionados, é o trecho tellement y a plus d'espoir, que é a forma oral de tellement il n'y a plus d'espoir ("de tanto que não há mais esperança"): repare que, além de não conter o pas, por se tratar de uma negação com plus, ainda tem a supressão do ne e do pronome il; como se não bastasse, é um exemplo de negação do partitivo. Enfim, uma festa para o professor, parece até que foi feito de propósito!
(Antes de passar ao clipe, vamos lembrar que o uso do apóstrofo segue regras bem precisas, que você aprende lendo meu texto, e que a presença de ne em uma frase não indica necessariamente uma negação, como já expliquei em outra postagem.)
.
A letra, como de costume, está nos comentários.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Quelque chose à te dire - ENCARE O DESAFIO!

No embalo da última postagem, segue a sugestão da leitora Priscila Milanez. Quelque chose à te dire está em cartaz no Cine Metrópolis (na UFES, em Vitória, ES), às 17:00, com o título "Algo que você precisa saber". Veja a resenha e o trailer:
.
Os Celliers formam uma família comum - isso levando em conta que todas as famílias têm problemas. Mady, a mãe, é uma sexagenária que passa o tempo reclamando do marido, Henry, que dia após dia experimenta uma regressão desde que deixou a direção de sua empresa. Antoine, o filho mais velho, assumiu o posto do pai, mas é incapaz de dirigir os negócios - já à beira da falência. Alice, uma das irmãs, pinta compulsivamente desde que abortou duas vezes e é dependente de antidepressivos. E Annabelle, enfermeira numa unidade de cuidados intensivos, tenta desesperadamente salvar os seus parentes e acha que isso é possível pela leitura de mapas astrológicos. O universo dessa família desestruturada começa a mudar, repentinamente, com a chegada do policial Jacques.
.

Ainda não vi o filme, mas parece ser um bom exemplo do que considero o encanto do cinema francês: produções que não se encaixam facilmente em nenhuma categoria, dramas que emocionam sem ser piegas ou apelar a clichês batidos e que, não raro, fazem sorrir. Você sai do cinema como se tivesse batido aquele papo maneiro com um grande amigo.
.
Alguns alunos me disseram que Quelque chose à te dire é excelente, então vou fazer o possível para não perder. Quem sabe a gente se esbarra no cinema?
.
Mas, para terminar, gostaria de lançar um desafio: as legandas estão ótimas, mas uma delas (no começo do trailer) está errada e outra (mais pro final) está incompleta, faltando uma frase inteira. Você é capaz de identificá-las e propor uma correção? Deixe um comentário.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

PARLER X DIRE

Brasileiros que aprendem francês costumam se embolar um pouco na hora de escolher entre parler e dire (a mesma confusão acontece com relação ao par hablar / decir, em espanhol, e parlare / dire, em italiano). A mistureba que os professores de língua conhecem bem não se deve a uma complicação no uso desses verbos; na verdade, a diferença é até bastante clara. O negócio é que, pelo menos no português do Brasil, existe uma situação em que costumamos empregar indistintamente “falar” e “dizer”, ao passo que as outras línguas neolatinas admitem apenas dire e decir.
.Vamos aos exemplos: em português, as duas frases abaixo não comportam nenhuma diferença significativa:
“Meu pai me disse que ia viajar” / “Meu pai me falou que ia viajar”
.Em francês, por outro lado, só se pode dizer Mon père m’a dit qu’il allait voyager..
Em resumo: parler nunca pode ser usado para introduzir uma citação, um discurso indireto; nesse caso, só cabe usar dire. Simples assim. Seguem alguns exemplos de usos corretos de parler:
.
Guillaume parle trois langues. (Guillaume fala três línguas.)
Julien n’aime pas parler en public. (Julien não gosta de falar em público.)
Nicolas va nous parler de son projet. (Nicolas vai nos falar sobre seu projeto. – parler sur, calcado no português “falar sobre”, fica bem estranho em francês.)
– Marie parle au nom de toute son équipe. (Marie fala em nome de toda a sua equipe.)
Jean-Pierre parle fort / tout bas / vite / doucement. (Jean-Pierre fala alto / baixinho / rápido / devagar, suavemente.)
Roger parle bien / mal. (Roger fala bem / mal)
.
É bom lembrar que parler bien / mal, na frase acima, tem o sentido de “expressar-se de forma mais ou menos clara ou correta”. Quando é no sentido de “falar bem ou mal de algo / alguém”, usa-se dire:
.Aline dit du mal de tout le monde. (Aline fala mal de todo o mundo.)
Emmanuelle m’a dit beaucoup de bien de toi. (Emmanuelle me falou muito bem de você.)
.Aliás, vamos lembrar mais uma vez: somente o verbo dire pode ser seguido de que para reportar uma declaração alheia, e não parler. É o famoso discours rapporté que dá tanta dor de cabeça aos meus alunos e que você pode revisar e praticar clicando aqui. Segue um exemplo:
Marc m’a dit qu’il avait passé trois mois au Chili. (Marc me disse que passou três meses no Chile.)
.
A única situação em que se poderia usar parler que, e que não tem nada a ver com discurso indireto, seria no caso de uma restrição com ne... que:
John est diplomate mais il ne parle que sa langue maternelle. (John é diplomata, mas só fala sua língua materna.) Lembrando que o ne costuma sumir na língua oral. Não entendeu direito o uso de que nessa frase? Consulte meu texto sobre o assunto.
.
Em português, também temos o “falar para” seguido de infinitivo, usado para retransmitir ordens ou pedidos. Em francês, isso dá dire de:
Susanne m’a dit de préparer les documents pour la réunion. (Susanne disse / falou para eu preparar os documentos para a reunião.)
.
Um uso interessante de dire, em francês, é como verbo reflexivo, com o sentido de “pensar” (literalmente, se dire significa “dizer para si mesmo”):
J’ai vu la campagne contre le gaspillage d’eau et je me suis dit qu’il fallait que je fasse quelque chose. (Eu vi a campanha contra o desperdício de água e pensei que eu tinha que fazer alguma coisa.)
.Espero sinceramente que, depois de ler meu texto, você não pense:
Il parle beaucoup mais ne dit rien. (Ele fala muito, mas não diz nada.)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

minúsculo

tirei as vírgulas da minha cabeça
as muitas aspas de meus cabelos
bati as reticências que em meus ombros
se depositavam
pus de lado meus óculos parênteses
para em tese entrar nu
no labirinto de apóstrofos
e arrobas que é meu cérebro
quieto
após tropeçar num travessão
que não abriu nenhum diálogo
nenhuma explicação
não há exclamação
para o silêncio
que aqui
encontro
os escombros de uma construção arcaica
caem quase cá e lá
já é outra minha expressão
idiomática
eu que sou tão pobre me digo
não trema
não há centopeia
nem cérbero
que não há portas nem castelos
talvez quem sabe um aposto
uma exceção à regra
uma interrogação que seja
debaixo de sete colchetes
mas não trouxe a chave
e fico sem meu paradoxo
e neste momento singular
neste diacrítico
saio ruidosamente
do reino das palavras
cuspindo onomatopeias
eu não mato achar nada
fazer o que
pra que forçar a barra
não houve descobertas
letra muda ponto cego
tudo se transforma
mas ao fim não me resta
nada além
de um rascunho sem ponto final