segunda-feira, 29 de junho de 2009

Traição no Texas

Quando eu tinha mais ou menos 16 anos, fiz essa dublagem com meu primo Juliano e meu grande amigo Wesley, improvisando uma gambiarra muto doida entre dois vídeos K7 e um Micro System, fazendo sonoplastia com papel celofane, isopor, garrafa pet e um colchão (sim, o barulho de lenha quebrando custou um buraco no colchão do meu tio).
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Infelizmente, no processo de digitalização, perdeu-se a cor (na descrição do vídeo no Youtube, o Wesley explica os detalhes técnicos).
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Assista até o fim dos créditos.
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Traição no Texas

terça-feira, 23 de junho de 2009

Diploma de jornalista

Um dos assuntos que vêm sendo mais debatidos nos últimos dias é o fim da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalismo. Você pode se perguntar por que diabos eu resolvi falar disso. Afinal, eu sou professor de francês. Mas a verdade é que, antes de começar meu curso de Letras, fiz dois anos de Jornalismo. O fato de eu ter desistido da profissão já fala por si, mas eu gostaria que você entendesse melhor a situação.
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Lembro-me, sem saudade, de alguns professores “morcegos” e de outros, como os de Economia e de Psicologia, que nos davam aula porque eram proibidos de ensinar os alunos de seus respectivos departamentos. Também não esqueço de nosso laboratório mal-equipado e da imensa facilidade com que alguns colegas pouco aplicados tiravam 10. Em meus pesadelos, ainda me recordo de quando fazíamos uma disciplina chamada “Expressão oral e escrita em jornalismo 1”: nossa “prática”, no laboratório, consistia em adaptar notas de jornal impresso para texto de TV. Foi a mesma coisa durante todo o semestre. E a professora nunca simpatizava com o que eu escrevia. Se fosse só eu não saber escrever para TV, até que vá, eu realmente acho que não dava pra coisa, mas o problema é que ela continuava em pé do meu lado, batia palmas para chamar a atenção de toda a turma e berrava: “Olha, gente, isso aqui não pode fazer, não: o colega de vocês escreveu portanto no texto dele”. Em meus tempos de escola primária, nunca fiquei de castigo ajoelhado em cima de grãos de milho nem usei orelhas de burro, mas acho que aqueles constrangimentos semanais me deram uma ideia precisa de qual deve ser a sensação.
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Evidentemente, o curso teve muitos pontos positivos, especialmente no que se refere às disciplinas não-específicas da área de jornalismo: psicologia, filosofia, antropologia, estética da arte... Mas gostei muito de fotografia e de teoria da comunicação, também. Por outro lado, depois que saí, o currículo do curso foi reformulado e o laboratório foi reequipado.
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De qualquer forma, o que mais me interessa é como mudei de lá para cá: durante aqueles meus primeiros semestres de Ufes, estava convicto de que era marxista-comunista e, se a exigência de diploma fosse revogada naquela época, tenho certeza de que eu praguejaria contra “o governo neoliberal que está lesando os direitos da classe jornalística para beneficiar o baronato da mídia”. (Acho que, se tivesse a oportunidade, também participaria de uma passeata ostentando bótons de “Fora FHC, fora FMI”.)
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Ontem, no entanto, na fila do supermercado, folheio a Veja e olho o editorial, que se posiciona a favor da medida do STF: segundo a revista, a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista era uma herança da ditadura militar (foi implementada em 1969, o que já é bastante significativo) e cerceava o direito à livre expressão. Convém lembrar que semelhante exigência não existe em países como Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Reino Unido, Suécia e Suíça. E que a não-obrigatoriedade do diploma não diminui necessariamente o valor de mercado da formação em jornalismo (mas certamente não estimula a criação de 200 faculdades de fundo de quintal).
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Na edição de hoje de A Gazeta, li um texto que tratava de uma manifestação de estudantes de jornalismo que, naturalmente, se opunham ao fim daquela reserva de mercado. O jornalista que assinava o texto não escondia uma certa simpatia pelos “protestos pelo fim da exigência de diploma”. Isso mesmo. Protestos pelo - e não contra o fim da exigência, como ele escreveu, corretamente, algumas linhas abaixo. Uma parte cruel de meu ser sussurrou: “São necessários quatro anos de estudo para escrever de modo desatento?”
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Afastei esse pensamento antipático, mas acabei me lembrando de meus tempos de estudante e concordei com a Veja, pensando com meus botões: “Quem sabe agora os jornais não vão melhorar?”

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A coisa mais linda do mundo


É ou não é a coisa mais linda do mundo, essa minha filha?

Pronomes repetitivos

O chamado método direto de ensino (no qual se fala apenas a língua-alvo, a L2) tem diversas vantagens: é mais dinâmico, mais desafiador e estimula o aluno a tentar entender o idioma estrangeiro em seus próprios termos, sem buscar comparações forçadas com a sua língua materna (L1). Isso ajuda a aprender a “pensar” em L2. No entanto, algumas comparações entre L1 e L2 podem ser bastante úteis, e um professor que quisesse excluir completamente da sala de aula a língua materna de seus alunos pode acabar complicando seu trabalho ou avançando menos do que gostaria.
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Gostaria, aqui, de abordar um pouco os pronomes franceses. O assunto pode parecer meio árido e, muitas vezes, é abordado apenas com exercícios mecânicos (ainda que, sinceramente, eu não veja muito como mudar isso). Mas o interessante é notar como o português brasileiro e o francês têm comportamentos completamente diferentes nesse ponto. Nós, brasileiros, costumamos deixar vazia a posição do pronome objeto direto:
– Você viu Jean-Pierre ontem? – Sim, eu vi. (– Est-ce que tu as vu Jean-Pierre hier ? – Oui, je l’ai vu.)
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“Eu vi”, em que o pronome objeto simplesmente desaparece, é uma alternativa encontrada por grande parte dos brasileiros para evitar a forma “certa” (“sim, eu o vi”), que soa artificial ou pedante, e a forma “eu vi ele”, que é estigmatizada e, portanto, freqüentemente evitada por falantes escolarizados. (Curiosamente, muitas das pessoas que debocham de quem diz “eu vi ele” dizem “eu vi ele chegando”, ainda que não percebam ou não admitam – é uma contradição engraçada, mas vamos deixar esse assunto para outro dia; digamos apenas que, cientificamente falando, não há nada de escandaloso em “eu vi ele”.)
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Em francês, por outro lado, o uso dos pronomes complemento de objeto direto (COD) é corriqueiro. Na língua falada, eles têm até tendência a se multiplicar “desnecessariamente” (digo entre aspas porque, se o falante repete algo, ele tem um motivo). Nas frases abaixo, observe a repetição do OD:
Je ne le connais pas, ton frère. (“Eu não o conheço, seu irmão.”)
Ces livres-là, tu peux les emprunter, si tu veux. (“Aqueles livros, você pode pegá-los emprestados, se quiser.”)
Tu la manges, ta soupe. (“Você a toma, sua sopa.” Frase com sentido imperativo que uma mãe poderia dirigir ao filho – menos ríspida do que Mange ta soupe !)
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Ter consciência dessa repetição pode ser decisivo para interpretar corretamente um enunciado como Simone, je la connais bien (literalmente “Simone, conheço-a bem”), em que “Simone” pode não ser um vocativo e sim um complemento de objeto direto deslocado de sua posição habitual e repetido pelo pronome. Ou seja, posso não estar falando com ela, mas falando dela (o contexto se encarrega de tirar qualquer dúvida).
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Em português coloquial, o complemento de objeto indireto (COI) de 3ª pessoa costuma ser retomado por um pronome precedido de preposição, em vez dos pronomes lhe, lhes (que, entre nós, só aparecem na escrita): “Eu fui jantar na casa de Julie e Pascal e levei uma garrafa de vinho para eles” (“lhes levei uma garrafa de vinho” sairia muito forçado em qualquer conversa). Em francês, lui e leur apareceriam tranquilamente, sem ares de linguagem rebuscada.
Je suis allé dîner chez Julie et Pascal et je leur ai apporté une bouteille de vin.
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Aliás, a tendência à redundância também se observa com os pronomes lui, leur.
Je lui ai dit à Céline qu’elle allait arriver en retard. (“Eu disse pra Céline que ela ia chegar atrasada.”)
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Na verdade, o francês oral / informal possui várias marcas redundantes como essa. Quando estudamos os pronoms toniques, infelizmente, raramente temos tempo de mostrar aos alunos como eles são importantes para esse tipo de repetição reiteradora. Vão alguns exemplos, seguidos de traduções literais:
Hans est allemand, mais Pierre, lui, il est français (“Hans é alemão, mas Pierre, ele, ele é francês.”)
Il est arrivé en retard, lui. (“Ele chegou atrasado, ele.”)
Je ne t’ai pas vu, toi. (“Eu não te vi, você.”)
J’irais bien à la plage, moi. (“Eu iria com prazer à praia, eu.”)
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Os famosos pronomes y e en também não escapam. Terror dos alunos do B3, esses pronomes, apresentados como recursos que permitem evitar repetições, aparecem frequentemente em construções que, montadas de outra forma, os dispensariam:
Les parfumeries, je n’y mets jamais les pieds sous peine d’une migraine aiguë (o que poderia ser dito de modo mais direto: Je ne mets jamais les pieds dans les parfumeries... “Eu nunca ponho os pés em uma perfumaria, para não sofrer de uma enxaqueca aguda”)
Le chocolat, j’en mange très peu, mais j’adore ça (ou Je mange très peu de chocolat... “Eu como muito pouco chocolate, mas eu adoro”)
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Evidentemente, tanto essas repetições com os pronomes y e en quanto aquelas com os pronomes COD ou COI ou com os pronoms toniques não são obrigatórias; na verdade, correspondem mais à necessidade que às vezes se tem, na fala, de destacar algum elemento, deslocando-o e repetindo-o. O mesmo fenômeno existe em português, mas com palavras diferentes.
Outro caso de construção aparentemente repetitiva, mas que é necessária, é o de pronomes como qui (“que”, “quem”) e (“onde”, “em que”). Em português, quem e onde podem ser usados em início de frase, sem antecedente:
Quem quiser ir ao museu hoje à tarde deve pegar o ingresso com Denise.”
Onde eu nasci, não tem guerra.”
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Em francês, qui e só podem ser usados em início de frase interrogativa: Qui est-ce ? (“Quem é?”); habitez-vous ? (“Onde você mora?”). Só em provérbios (linguagem antiga, portanto) encontramos qui em construções como a do português:
Qui ne dit mot consent (“Quem cala consente”), Qui ne risque rien n’a rien (“Quem não arrisca não petisca”), Qui se sent morveux se mouche (literalmente, “Quem se sentir encatarrado que assoe o nariz”: o nosso “Se a carapuça servir...”) e muitos outros.
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Os exemplos acima, para serem naturais em francês, deveriam ser:
Ceux qui veulent aller au musée cet après-midi doivent prendre le ticket d’entrée avec Denise. (Aqui você vê que os pronomes demonstrativos servem para muito mais coisa do que você pensava!)
Là où je suis né, il n’y a pas de guerre.
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Essa última frase, aliás, é tirada de uma música de Camille Dalmais: Là où je suis née (a letra está nos comentários). É meio paradinha, mas muito bonita, e permite ver, nos vídeos relacionados, outras canções dessa cantora, todas bem diferentes entre si e às vezes muito loucas. Recomendaria especialmente Paris, Ta douleur e Les ex. É com Camille que eu me despeço, pedindo desculpas se fui muito repetitivo.

P.S.: Às vezes, as repetições são ainda mais impressionantes, como no caso de uma canção do Paris Combo (Si mon amour), na qual encontramos Là où l'on cherche le bien, on y trouve le mal (“Lá onde se busca o bem, se encontra o mal”).