O chamado método direto de ensino (no qual se fala apenas a língua-alvo, a L2) tem diversas vantagens: é mais dinâmico, mais desafiador e estimula o aluno a tentar entender o idioma estrangeiro em seus próprios termos, sem buscar comparações forçadas com a sua língua materna (L1). Isso ajuda a aprender a “pensar” em L2. No entanto, algumas comparações entre L1 e L2 podem ser bastante úteis, e um professor que quisesse excluir completamente da sala de aula a língua materna de seus alunos pode acabar complicando seu trabalho ou avançando menos do que gostaria.
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Gostaria, aqui, de abordar um pouco os pronomes franceses. O assunto pode parecer meio árido e, muitas vezes, é abordado apenas com exercícios mecânicos (ainda que, sinceramente, eu não veja muito como mudar isso). Mas o interessante é notar como o português brasileiro e o francês têm comportamentos completamente diferentes nesse ponto. Nós, brasileiros, costumamos deixar vazia a posição do pronome objeto direto:
– Você viu Jean-Pierre ontem? – Sim, eu vi. (– Est-ce que tu as vu Jean-Pierre hier ? – Oui, je l’ai vu.)
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“Eu vi”, em que o pronome objeto simplesmente desaparece, é uma alternativa encontrada por grande parte dos brasileiros para evitar a forma “certa” (“sim, eu o vi”), que soa artificial ou pedante, e a forma “eu vi ele”, que é estigmatizada e, portanto, freqüentemente evitada por falantes escolarizados. (Curiosamente, muitas das pessoas que debocham de quem diz “eu vi ele” dizem “eu vi ele chegando”, ainda que não percebam ou não admitam – é uma contradição engraçada, mas vamos deixar esse assunto para outro dia; digamos apenas que, cientificamente falando, não há nada de escandaloso em “eu vi ele”.)
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Em francês, por outro lado, o uso dos pronomes complemento de objeto direto (COD) é corriqueiro. Na língua falada, eles têm até tendência a se multiplicar “desnecessariamente” (digo entre aspas porque, se o falante repete algo, ele tem um motivo). Nas frases abaixo, observe a repetição do OD:
Je ne le connais pas, ton frère. (“Eu não o conheço, seu irmão.”)
Ces livres-là, tu peux les emprunter, si tu veux. (“Aqueles livros, você pode pegá-los emprestados, se quiser.”)
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Gostaria, aqui, de abordar um pouco os pronomes franceses. O assunto pode parecer meio árido e, muitas vezes, é abordado apenas com exercícios mecânicos (ainda que, sinceramente, eu não veja muito como mudar isso). Mas o interessante é notar como o português brasileiro e o francês têm comportamentos completamente diferentes nesse ponto. Nós, brasileiros, costumamos deixar vazia a posição do pronome objeto direto:
– Você viu Jean-Pierre ontem? – Sim, eu vi. (– Est-ce que tu as vu Jean-Pierre hier ? – Oui, je l’ai vu.)
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“Eu vi”, em que o pronome objeto simplesmente desaparece, é uma alternativa encontrada por grande parte dos brasileiros para evitar a forma “certa” (“sim, eu o vi”), que soa artificial ou pedante, e a forma “eu vi ele”, que é estigmatizada e, portanto, freqüentemente evitada por falantes escolarizados. (Curiosamente, muitas das pessoas que debocham de quem diz “eu vi ele” dizem “eu vi ele chegando”, ainda que não percebam ou não admitam – é uma contradição engraçada, mas vamos deixar esse assunto para outro dia; digamos apenas que, cientificamente falando, não há nada de escandaloso em “eu vi ele”.)
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Em francês, por outro lado, o uso dos pronomes complemento de objeto direto (COD) é corriqueiro. Na língua falada, eles têm até tendência a se multiplicar “desnecessariamente” (digo entre aspas porque, se o falante repete algo, ele tem um motivo). Nas frases abaixo, observe a repetição do OD:
Je ne le connais pas, ton frère. (“Eu não o conheço, seu irmão.”)
Ces livres-là, tu peux les emprunter, si tu veux. (“Aqueles livros, você pode pegá-los emprestados, se quiser.”)
Tu la manges, ta soupe. (“Você a toma, sua sopa.” Frase com sentido imperativo que uma mãe poderia dirigir ao filho – menos ríspida do que Mange ta soupe !)
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Ter consciência dessa repetição pode ser decisivo para interpretar corretamente um enunciado como Simone, je la connais bien (literalmente “Simone, conheço-a bem”), em que “Simone” pode não ser um vocativo e sim um complemento de objeto direto deslocado de sua posição habitual e repetido pelo pronome. Ou seja, posso não estar falando com ela, mas falando dela (o contexto se encarrega de tirar qualquer dúvida).
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Em português coloquial, o complemento de objeto indireto (COI) de 3ª pessoa costuma ser retomado por um pronome precedido de preposição, em vez dos pronomes lhe, lhes (que, entre nós, só aparecem na escrita): “Eu fui jantar na casa de Julie e Pascal e levei uma garrafa de vinho para eles” (“lhes levei uma garrafa de vinho” sairia muito forçado em qualquer conversa). Em francês, lui e leur apareceriam tranquilamente, sem ares de linguagem rebuscada.
Je suis allé dîner chez Julie et Pascal et je leur ai apporté une bouteille de vin.
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Aliás, a tendência à redundância também se observa com os pronomes lui, leur.
Je lui ai dit à Céline qu’elle allait arriver en retard. (“Eu disse pra Céline que ela ia chegar atrasada.”)
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Na verdade, o francês oral / informal possui várias marcas redundantes como essa. Quando estudamos os pronoms toniques, infelizmente, raramente temos tempo de mostrar aos alunos como eles são importantes para esse tipo de repetição reiteradora. Vão alguns exemplos, seguidos de traduções literais:
Hans est allemand, mais Pierre, lui, il est français (“Hans é alemão, mas Pierre, ele, ele é francês.”)
Il est arrivé en retard, lui. (“Ele chegou atrasado, ele.”)
Je ne t’ai pas vu, toi. (“Eu não te vi, você.”)
J’irais bien à la plage, moi. (“Eu iria com prazer à praia, eu.”)
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Os famosos pronomes y e en também não escapam. Terror dos alunos do B3, esses pronomes, apresentados como recursos que permitem evitar repetições, aparecem frequentemente em construções que, montadas de outra forma, os dispensariam:
Les parfumeries, je n’y mets jamais les pieds sous peine d’une migraine aiguë (o que poderia ser dito de modo mais direto: Je ne mets jamais les pieds dans les parfumeries... “Eu nunca ponho os pés em uma perfumaria, para não sofrer de uma enxaqueca aguda”)
Le chocolat, j’en mange très peu, mais j’adore ça (ou Je mange très peu de chocolat... “Eu como muito pouco chocolate, mas eu adoro”)
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Evidentemente, tanto essas repetições com os pronomes y e en quanto aquelas com os pronomes COD ou COI ou com os pronoms toniques não são obrigatórias; na verdade, correspondem mais à necessidade que às vezes se tem, na fala, de destacar algum elemento, deslocando-o e repetindo-o. O mesmo fenômeno existe em português, mas com palavras diferentes.
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Ter consciência dessa repetição pode ser decisivo para interpretar corretamente um enunciado como Simone, je la connais bien (literalmente “Simone, conheço-a bem”), em que “Simone” pode não ser um vocativo e sim um complemento de objeto direto deslocado de sua posição habitual e repetido pelo pronome. Ou seja, posso não estar falando com ela, mas falando dela (o contexto se encarrega de tirar qualquer dúvida).
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Em português coloquial, o complemento de objeto indireto (COI) de 3ª pessoa costuma ser retomado por um pronome precedido de preposição, em vez dos pronomes lhe, lhes (que, entre nós, só aparecem na escrita): “Eu fui jantar na casa de Julie e Pascal e levei uma garrafa de vinho para eles” (“lhes levei uma garrafa de vinho” sairia muito forçado em qualquer conversa). Em francês, lui e leur apareceriam tranquilamente, sem ares de linguagem rebuscada.
Je suis allé dîner chez Julie et Pascal et je leur ai apporté une bouteille de vin.
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Aliás, a tendência à redundância também se observa com os pronomes lui, leur.
Je lui ai dit à Céline qu’elle allait arriver en retard. (“Eu disse pra Céline que ela ia chegar atrasada.”)
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Na verdade, o francês oral / informal possui várias marcas redundantes como essa. Quando estudamos os pronoms toniques, infelizmente, raramente temos tempo de mostrar aos alunos como eles são importantes para esse tipo de repetição reiteradora. Vão alguns exemplos, seguidos de traduções literais:
Hans est allemand, mais Pierre, lui, il est français (“Hans é alemão, mas Pierre, ele, ele é francês.”)
Il est arrivé en retard, lui. (“Ele chegou atrasado, ele.”)
Je ne t’ai pas vu, toi. (“Eu não te vi, você.”)
J’irais bien à la plage, moi. (“Eu iria com prazer à praia, eu.”)
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Os famosos pronomes y e en também não escapam. Terror dos alunos do B3, esses pronomes, apresentados como recursos que permitem evitar repetições, aparecem frequentemente em construções que, montadas de outra forma, os dispensariam:
Les parfumeries, je n’y mets jamais les pieds sous peine d’une migraine aiguë (o que poderia ser dito de modo mais direto: Je ne mets jamais les pieds dans les parfumeries... “Eu nunca ponho os pés em uma perfumaria, para não sofrer de uma enxaqueca aguda”)
Le chocolat, j’en mange très peu, mais j’adore ça (ou Je mange très peu de chocolat... “Eu como muito pouco chocolate, mas eu adoro”)
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Evidentemente, tanto essas repetições com os pronomes y e en quanto aquelas com os pronomes COD ou COI ou com os pronoms toniques não são obrigatórias; na verdade, correspondem mais à necessidade que às vezes se tem, na fala, de destacar algum elemento, deslocando-o e repetindo-o. O mesmo fenômeno existe em português, mas com palavras diferentes.
Outro caso de construção aparentemente repetitiva, mas que é necessária, é o de pronomes como qui (“que”, “quem”) e où (“onde”, “em que”). Em português, quem e onde podem ser usados em início de frase, sem antecedente:
“Quem quiser ir ao museu hoje à tarde deve pegar o ingresso com Denise.”
“Onde eu nasci, não tem guerra.”
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Em francês, qui e où só podem ser usados em início de frase interrogativa: Qui est-ce ? (“Quem é?”); Où habitez-vous ? (“Onde você mora?”). Só em provérbios (linguagem antiga, portanto) encontramos qui em construções como a do português:
Qui ne dit mot consent (“Quem cala consente”), Qui ne risque rien n’a rien (“Quem não arrisca não petisca”), Qui se sent morveux se mouche (literalmente, “Quem se sentir encatarrado que assoe o nariz”: o nosso “Se a carapuça servir...”) e muitos outros.
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Os exemplos acima, para serem naturais em francês, deveriam ser:
Ceux qui veulent aller au musée cet après-midi doivent prendre le ticket d’entrée avec Denise. (Aqui você vê que os pronomes demonstrativos servem para muito mais coisa do que você pensava!)
Là où je suis né, il n’y a pas de guerre.
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Essa última frase, aliás, é tirada de uma música de Camille Dalmais: Là où je suis née (a letra está nos comentários). É meio paradinha, mas muito bonita, e permite ver, nos vídeos relacionados, outras canções dessa cantora, todas bem diferentes entre si e às vezes muito loucas. Recomendaria especialmente Paris, Ta douleur e Les ex. É com Camille que eu me despeço, pedindo desculpas se fui muito repetitivo.
“Quem quiser ir ao museu hoje à tarde deve pegar o ingresso com Denise.”
“Onde eu nasci, não tem guerra.”
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Em francês, qui e où só podem ser usados em início de frase interrogativa: Qui est-ce ? (“Quem é?”); Où habitez-vous ? (“Onde você mora?”). Só em provérbios (linguagem antiga, portanto) encontramos qui em construções como a do português:
Qui ne dit mot consent (“Quem cala consente”), Qui ne risque rien n’a rien (“Quem não arrisca não petisca”), Qui se sent morveux se mouche (literalmente, “Quem se sentir encatarrado que assoe o nariz”: o nosso “Se a carapuça servir...”) e muitos outros.
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Os exemplos acima, para serem naturais em francês, deveriam ser:
Ceux qui veulent aller au musée cet après-midi doivent prendre le ticket d’entrée avec Denise. (Aqui você vê que os pronomes demonstrativos servem para muito mais coisa do que você pensava!)
Là où je suis né, il n’y a pas de guerre.
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Essa última frase, aliás, é tirada de uma música de Camille Dalmais: Là où je suis née (a letra está nos comentários). É meio paradinha, mas muito bonita, e permite ver, nos vídeos relacionados, outras canções dessa cantora, todas bem diferentes entre si e às vezes muito loucas. Recomendaria especialmente Paris, Ta douleur e Les ex. É com Camille que eu me despeço, pedindo desculpas se fui muito repetitivo.
P.S.: Às vezes, as repetições são ainda mais impressionantes, como no caso de uma canção do Paris Combo (Si mon amour), na qual encontramos Là où l'on cherche le bien, on y trouve le mal (“Lá onde se busca o bem, lá se encontra o mal”).
LÀ OÙ JE SUIS NÉE
ResponderExcluir(Camille Dalmais)
Là où je suis née
Il n'y a pas de gare
Il n'y a pas de route
Même pas de trottoir
Là où je suis née
Il n'y a pas de phare
Il n'y a pas de train
Loin dans le brouillard
Oh je lis dans vos yeux
Que je ne peux pas compter sur vous
Mais j'y retournerai
J'irai seule c'est ma vie après tout
Là où je suis née
Il n'y a pas de gare
J'y vais en secret
Rien que de mémoire
Il y a des odeurs de lessive
De fleurs et c'est si doux
Il y a des cabanes dans les arbres
Et de l'amour surtout
Là où je suis née
Il n'y a pas de guerre
Et les hommes sont de toutes les couleurs
Oh je lis dans vos yeux
Que je ne peux pas compter sur vous
Mais j'y retournerai
J'ai oublié le chemin c'est tout
Mais um excelente post. Eu comecei a achar que tava mandando bem no francês quando entendi boa parte de "ta douleur". camille é ótima.
ResponderExcluirConheci esse blog por caso e, gosto muito da maneira que o senhor escreve e, delicadamente expõe seu ponto de vista, sem se perder nos objetivos.Parabéns colega!
ResponderExcluirMe ajudou muito!
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