No ano passado, a grande mídia criou um auê do cão sobre alguns títulos que constavam no acervo de bibliotecas de escolas públicas. O primeiro “escândalo” foi a coletânea de quadrinhos Dez na área, um na banheira e ninguém no gol, de Allan Sieber, Caco Galhardo e outros, uma obra destinada a adolescentes e adultos que tinha sido indicada, por descuido, para alunos da terceira série. (Ou terceiro ano, ou quarta série do novo Ensino Fundamental, sei lá, essas coisas mudam de nome todo dia... e os resultados só pioram.) Realmente, por se tratar de quadrinhos que contêm piadas “cabeludas” e palavrões, talvez não fosse o livro mais indicado para meninos de 9 anos. O próprio Caco Galhardo comentou isso, declarando que sequer fora informado do contrato firmado entre a editora Via Lettera e o governo José Serra e que não recebeu um tostão. (Vale lembrar que o secretário de educação de São Paulo é o nada simpático Paulo Renato, aquele mesmo que estava sucateando as universidades federais e as escolas técnicas, mas isso é assunto para outro dia.)
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Mas como a mídia precisa de lenha pra fogueira, ainda mais quando queimar os outros rende audiência, formou-se um discurso equivocado que partia de premissas toscas como a de que “quadrinhos são feitos para crianças”. Outras obras consideradas impróprias para os estudantes, entre as quais muitos quadrinhos, foram sendo “descobertas”, motivando generalizações apressadas sobre esse tipo de linguagem e uma avalanche moralista de críticos que muitas vezes não ouviam o lado dos autores. O errado, pareciam dizer alguns, eram os quadrinhos, vulgares e de mau gosto. Felizmente, a maré virou e o foco da discussão acabou recaindo onde deveria: no descaso do governo do Estado de SP que, como Paulo Renato mesmo foi obrigado a admitir, não havia encarregado especialistas da seleção das obras.
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Fiz essa introdução um tanto longa para mostrar em que contexto se insere minha resenha de O nome do jogo, quadrinhos do mestre Will Eisner apedrejados pelos conservadores de plantão. O Ministério da Educação havia indicado o livro para alunos do Ensino Médio, mas ele acabou indo parar nas mãos de estudantes de sexta série. Mais um erro (esse, do Governo Federal), ainda que menos grave. Porém, na roda-viva que se seguiu ao “escândalo” de Dez na área..., foi colocado no mesmo balaio: seria uma obra chula, recheada de cenas de violência e sexo, e até insinuação de estupro! Mas vamos pôr os pingos no is: há uma diferença considerável entre uma criança de 9 anos e um moleque de 12; não há nenhuma imagem explícita de sexo no álbum. Aliás, esse está longe de ser o foco da obra. O nome do jogo, na verdade, é uma espécie de ensaio sociológico que mostra como três famílias de imigrantes judeus perseguiram o “sonho americano”, usando o casamento como forma de ascensão social. Certamente, o tipo de livro que contribui tanto para o amadurecimento dos estudantes quanto uma obra de Machado de Assis. E que não contém nada que não apareça na novela das nove.
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O que fica dessa celeuma é o alerta sobre os novos moralismos: existe, hoje, um forte discurso que busca negar aos jovens o acesso a obras tidas como “impróprias”, sob o pretexto de “preservá-los”. Evidentemente, não se trata de expor nossos pimpolhos ao mundo-cão e à pornografia, mas é preciso tomar cuidado com os efeitos dessa suposta proteção, que se mostra ingênua, ao acreditar que as crianças não sabem onde procurar a informação que lhes interessa, e equivocada, ao misturar o erro grotesco da Secretaria de Educação de SP com uma falha na distribuição de um livro que não vai escandalizar ninguém que se dê ao trabalho de lê-lo. E que vale muito a pena, para adolescentes e para adultos.
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Mas como a mídia precisa de lenha pra fogueira, ainda mais quando queimar os outros rende audiência, formou-se um discurso equivocado que partia de premissas toscas como a de que “quadrinhos são feitos para crianças”. Outras obras consideradas impróprias para os estudantes, entre as quais muitos quadrinhos, foram sendo “descobertas”, motivando generalizações apressadas sobre esse tipo de linguagem e uma avalanche moralista de críticos que muitas vezes não ouviam o lado dos autores. O errado, pareciam dizer alguns, eram os quadrinhos, vulgares e de mau gosto. Felizmente, a maré virou e o foco da discussão acabou recaindo onde deveria: no descaso do governo do Estado de SP que, como Paulo Renato mesmo foi obrigado a admitir, não havia encarregado especialistas da seleção das obras.
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Fiz essa introdução um tanto longa para mostrar em que contexto se insere minha resenha de O nome do jogo, quadrinhos do mestre Will Eisner apedrejados pelos conservadores de plantão. O Ministério da Educação havia indicado o livro para alunos do Ensino Médio, mas ele acabou indo parar nas mãos de estudantes de sexta série. Mais um erro (esse, do Governo Federal), ainda que menos grave. Porém, na roda-viva que se seguiu ao “escândalo” de Dez na área..., foi colocado no mesmo balaio: seria uma obra chula, recheada de cenas de violência e sexo, e até insinuação de estupro! Mas vamos pôr os pingos no is: há uma diferença considerável entre uma criança de 9 anos e um moleque de 12; não há nenhuma imagem explícita de sexo no álbum. Aliás, esse está longe de ser o foco da obra. O nome do jogo, na verdade, é uma espécie de ensaio sociológico que mostra como três famílias de imigrantes judeus perseguiram o “sonho americano”, usando o casamento como forma de ascensão social. Certamente, o tipo de livro que contribui tanto para o amadurecimento dos estudantes quanto uma obra de Machado de Assis. E que não contém nada que não apareça na novela das nove.
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O que fica dessa celeuma é o alerta sobre os novos moralismos: existe, hoje, um forte discurso que busca negar aos jovens o acesso a obras tidas como “impróprias”, sob o pretexto de “preservá-los”. Evidentemente, não se trata de expor nossos pimpolhos ao mundo-cão e à pornografia, mas é preciso tomar cuidado com os efeitos dessa suposta proteção, que se mostra ingênua, ao acreditar que as crianças não sabem onde procurar a informação que lhes interessa, e equivocada, ao misturar o erro grotesco da Secretaria de Educação de SP com uma falha na distribuição de um livro que não vai escandalizar ninguém que se dê ao trabalho de lê-lo. E que vale muito a pena, para adolescentes e para adultos.
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