terça-feira, 12 de maio de 2009

Ateu militante

Recentemente, li uma matéria da revista Época sobre uma pesquisa científica que supostamente provaria que o ser humano tem uma inclinação natural a acreditar em uma divindade. O biólogo britânico Richard Dawkins, a única voz dissonante num texto claramente pró-religião, foi apresentado da seguinte maneira: “cientista pop e ‘ateu militante’”. Repare que a expressão ateu militante estava, no original, entre irônicas aspas.
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A ideia por trás do debochinho era, provavelmente, que defender publicamente o ateísmo, como faz Dawkins, é um contra-senso, que seria um proselitismo igual ao das religiões. Em reação ao crescente movimento de autoafirmação dos ateus, alguns soltam a pérola: o ateísmo é uma religião como as outras. Numa de minhas andanças pela Internet, encontrei essa resposta magistral: “afirmar que o ateísmo é uma religião é o mesmo que dizer que calvície é uma cor de cabelo ou que sedentarismo é um esporte”. Na mosca!
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Ateu militante (sem aspas, uma vez que me considero um) é aquele que luta contra o preconceito de que são vítimas os que não compartilham das crenças dominantes e que considera importante defender o Estado laico das investidas dos grupos religiosos.
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O primeiro fato a entender é que existe discriminação contra ateus. As pessoas sequer se dão conta disso, de tão normais que são, em nossa sociedade, ideias curiosas como “uma pessoa que não acredita em Deus não tem senso moral” ou francamente absurdas do tipo “se você não tem medo de ir para o inferno, o que te impede de matar alguém?” O pior é quando explicam algum crime hediondo dizendo que o sujeito "não tem Deus no coração".
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Sinceramente, você acha que um político abertamente ateu ganharia uma eleição em nosso Brasil varonil? Nos EUA, onde o lobby religioso é incrivelmente poderoso, a constituição de alguns Estados estabelece que não se pode aceitar como testemunha em processos judiciais alguém que não acredita em algum ser superior ou em um estado de punições e recompensas após a morte. O Dr. Dráuzio Varella conta, aqui, a reação de muitas pessoas ao descobrirem que ele é ateu.
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Segundo: sem um Estado verdadeiramente laico, não há democracia. Deixo, aqui, de lutar contra o preconceito para lutar apenas pelo respeito à constituição. O avanço dos grupos religiosos na política leva a bizarrices como o caso de algumas escolas públicas americanas que ensinam o criacionismo ao lado da teoria da evolução ou até no lugar dela. Para um caso extremo, basta citar o Irã. A questão é importante e menos complicada do que gostam de pintar: a oposição de muitos grupos cristãos ao desenvolvimento de pesquisas com células-tronco embrionárias pode, no futuro, fazer com que eu (ou você) fique privado de um tratamento médico adequado. Que poderia ter sido desenvolvido caso as pesquisas não tivessem sido barradas por conta de dogmas que não se justificam aos olhos da lei. (Hoje, até onde sei, as pesquisas estão liberadas, mas tenho certeza de que a galerinha do “pró-vida” não vai deixar barato.)
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Poderia mencionar que nenhum ateu entra em ônibus para fazer pregação nem diz que as pessoas que creem vão arder nas chamas do inferno. Poderia dizer que o fato de acreditar que a vida é uma só me inspira a basear minha vida numa moralidade racional e a buscar o que é verdadeiramente essencial na vida: amor e amizade. Poderia explicar diversos efeitos negativos dos dogmas religiosos (guerras, intolerância, discriminação, violência simbólica...).
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Mas vai que você me diz que estou parecendo um crente tentando arrebanhar fiéis?

3 comentários:

  1. Clap, clap, clap.

    Em 1859, John Stuart Mill dizia no seu 'Sobre a Liberdade' que exigir uma crença religiosa para depor nos tribunais tem um efeito absurdo: favorece aqueles que, além de não terem crença, não se preocupam em mentir, enquanto os mais honestos, que preferem não mentir, são excluídos.

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  2. Curti muito :)

    Luto por estado laico e democracia, respeito, etc... Vou favoritar e indicar esse texto!

    Abçs

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