sábado, 27 de agosto de 2011

"Afinal, como se diz...?" - algumas construções e expressões coloquiais em francês

Tem sempre aquelas coisinhas que a gente sabe que não pode sair traduzindo ao pé da letra e fica aquela dúvida. Seguem abaixo algumas expressões ou construções de frase que você talvez já tenha tentado dizer algum dia. Assim, seja para responder a uma dúvida antiga, seja para evitar falar abobrinhas no futuro, acho que esse texto pode ser útil. Está completamente "aleatório", mas o fato é que me deixei ir ao sabor das ideias que me ocorriam. Caso esteja curioso a respeito de outra expressão, os comentários estão aí para isso mesmo.

- ir embora / sair fora / vazar / ralar peito: s'en aller / filer / se barrer / se tirer / se casser / s'arracher
- sair à francesa: filer à l'anglaise
- sair correndo: détaler
- sair caro: revenir cher
- ir parar na contramão: se retrouver à contresens
- tipo assim: genre
- toma na cara!: vlan! dans les dents!
- seu (covarde): espèce de (lâche)
- barbeiro (= mau motorista): chauffard (antigamente, havia barbiers, que faziam a barba de seus clientes com navalha)
- frescura: chichi ("frescor" é fraîcheur)
- fresco(a) pra caramba: chochotte comme tout
- certinho demais: trop comme il faut (veja meu texto sobre a necessidade)
- perua (= mulher fútil): bécasse (a penosa do Natal é a dinde; o veículo para a família toda é uma fourgonnette)
- patricinha: Marie-Chantal
- mauricinho: Jean-Édouard
- santo do pau-oco: tartuffe / bondieusard / bigot / cul-bénit
- santinha do pau-oco: sainte-nitouche
- no dia de São Nunca: à la Saint Glinglin
- neca (de pitibiriba): (que) nenni / que dalle (dê uma olhada em meu texto sobre a restrição)
- de mãos vazias: bredouille
- enrolar / tapear alguém: rouler quelqu'un dans la farine / mener quelqu'un en bateau / embobiner quelqu'un / duper quelqu'un / avoir quelqu'un
- me passaram a perna / me sacanearam: on m'a fait un sale tour / un tour de cochon
- papo furado: boniment (passar uma conversa é bonimenter)
- me dei mal: on m'a eu (repare que é o verbo avoir, mencionado acima)
- ele mal fala: il parle à peine
- ele fala mal: il parle mal
- ele está falando mal de você: il dit du mal de toi
- não tem jeito: y'a pas moyen
- cara de pau / folgado: sans gêne / encombrant
- encher o saco de alguém: prendre la tête à quelqu'un / saouler quelqu'un / gonfler quelqu'un
- puxar o saco de alguém: flatter quelqu'un / jeter des fleurs sur quelqu'un / lécher le cul à quelqu'un - essa última expressão é extremamente vulgar
- não é pra qualquer um: ça s'improvise pas
- ele / ela arrebenta: il / elle déchire
- maneiro / legal / irado: cool / chouette (expressão ligeiramente infantil) / mortel (gíria)
- não é grande coisa: c'est pas terrible
- se achar / ser metido a besta: avoir la grosse tête / se prendre au sérieux
- fulano que se cuide: untel n'a qu'à bien se tenir (aquele meu texto sobre a restrição é realmente bacana...)
- matar aula: sécher un cours / faire l'école buissonnière
- o sol espera por você: le soleil est au rendez-vous
- colar na prova: tricher à l'examen
- pegar (= perguntar algo que a pesso não sabe responder): coller
- pegar (um resfriado, uma doença): attrapper / chopper (un rhume, une maladie)
- pegar (uma mulher): chopper (une femme) - não é o jeito mais elegante de falar de uma aventura amorosa em nenhuma das línguas...
- coçar (= não fazer nada): glander
- coçar (= provocar sensação de coceira): piquer
- coçar (= aliviar a coceira usando as unhas): gratter
- filar / serrar / chepar (= pedir algo aos outros): gratter
- X não tem nada a ver com Y: X n'a rien à voir avec Y (isso mesmo: é igualzinho nas duas línguas)
- nada a ver: n'importe quoi !
- como assim?: comment ça?
- agora essa!: ça alors !
- essa é boa!: elle est bonne, celle-là !
- que história é essa?: qu'est-ce que tu racontes ? / ça rime à quoi ?
- que porra é essa?: c'est quoi cette merde ?
- ficou doidão?: ça va pas la tête ?
- louco / maluco / biruta / pinel / tantã: fou / dingue / cinglé / allumé / barjo / taré / zinzin
- dinheiro / grana / bufunfa / capim: argent / fric / pognon / thunes / oseille
- dá para (+ inf.): on peut (+ inf.)
- se bobear (= pode ser que...): si (jamais) ça se trouve
- acontece que...: il se trouve que... / il arrive que...
- um monte de informação solta: un tas d'infos en vrac

domingo, 21 de agosto de 2011

"Je t'aime... Moi non plus" - qual é a sua versão favorita?

Falei bastante desse clássico no último post, que causou escândalo na época e que choca muita gente até hoje em dia (a meu ver, achar a música "engraçada" ou "cafona" é somente uma forma inconsciente de resistir a ela e tentar censurá-la). Pois é, falei muito, mas fiquei devendo a canção em si. Assim, seguem abaixo duas versões. Deixe um comentário dizendo qual delas você prefere.

1. Com Brigitte Bardot (1967, o ex-marido dela fez com que essa versão ficasse na gaveta por anos a fio):

2. Com Jane Birkin (1969):

Ah!, para quem ainda não sabe, o bonitão Gainsbourg teve um caso com La Bardot e foi casado com a fofinha Jane Birkin por vários anos.

E como falei dos problemas de tradução, segue abaixo a letra traduzida comme il faut (= certinho):

– Je t'aime, je t'aime. Oui je t'aime !

Eu te amo, eu te amo. Sim, eu te amo.

– Moi non plus
Eu também não

– Oh mon amour
Oh, meu amor

– Comme la vague irrésolue
Como a onda indecisa
Je vais, je vais et je viens entre tes reins
Eu vou, eu vou e eu venho entre as suas ancas
Je vais et je viens entre tes reins
Eu vou e eu venho entre as suas ancas
Et je me retiens
E eu me retenho

– Je t'aime, je t'aime. Oui je t'aime !
Eu te amo, eu te amo. Sim, eu te amo.

– Moi non plus
Eu também não

– Oh mon amour, tu es la vague, moi l'île nue
Oh, meu amor, você é a onda; eu, a ilha nua
Tu vas, tu vas et tu viens entre mes reins
Você vai e você vem entre as minhas ancas
Tu vas et tu viens entre mes reins et je te rejoins
Você vai e você vem entre as minhas ancas e eu me junto a você
Je t'aime, je t'aime. Oui je t'aime !
Eu te amo, eu te amo. Sim, eu te amo.

– Moi non plus
Eu também não

– Oh mon amour
Oh, meu amor

– Comme la vague irrésolue
Como a onda indecisa
Je vais, je vais et je viens entre tes reins
Eu vou, eu vou e eu venho entre as suas ancas
Je vais et je viens entre tes reins
Eu vou e eu venho entre as suas ancas
Et je me retiens
E eu me retenho

– Tu vas, tu vas et tu viens entre mes reins
Você vai, você vai e você vem, entre as minhas ancas
Tu vas et tu viens entre mes reins et je te rejoins
Você vai e você vem entre as minhas ancas, e eu me junto a você
Je t'aime, je t'aime. Oui je t'aime !
Eu te amo, eu te amo. Sim, eu te amo.

– Moi non plus
Eu também não

– Oh mon amour
Oh, meu amor

– L'amour physique est sans issue
O amor físico não tem saída
Je vais, je vais et je viens entre tes reins
Eu vou, eu vou e eu venho entre as suas ancas
Je vais et je viens, je me retiens
Eu vou e eu venho, eu me retenho

– Non ! Maintenant ! Viens !
Não! Agora! Vem!


Não sei se estou parecendo obcecado, mas se você quiser mais informações sobre a música, sua história e curiosidades, leia o artigo na Wikipédia.

sábado, 20 de agosto de 2011

Quando os tradutores dormem no ponto... e algumas dicas de vocabulário

Em meu texto anterior, comentei rapidamente a cochilada imperdoável do tradutor que fez as legendas do filme sobre a vida de Serge Gainsbourg: em vez de traduzir Je t’aime... Moi non plus como “Eu te amo... Eu também não”, o indivíduo perpetrou um “Eu te amo... Também te amo muito” ou algo do gênero. Não gosto de jogar pedra no trabalho de ninguém, mas essa bobeada comprometeu terrivelmente a compreensão do espectador que não fala francês. Além de que se trata de conteúdo ministrado em turmas iniciantes!

Lembro de quando, estando em meu primeiro semestre de francês, comecei a ler A Náusea, de Sartre. Em português. Logo no começo, o protagonista ia a um bar que ele dizia ser “cheio de celibatários”. Fiquei chocado. Eu já sabia que a palavra célibataire significa tanto “solteiro” quanto “celibatário”, mas o contexto indicava claramente que a melhor opção era “solteiros” ou “solteirões”. Por mais que “celibatário”, em nosso idioma, também tenha sua polissemia, o fato é que se trata de um termo muito marcado culturalmente, e isso tem que pesar na decisão do tradutor. Moral da história: perdi a confiança na tradução e larguei o livro de lado.

Lembro também, para voltar ao assunto do início, da cara de perdido de um aluno, alguns semestres atrás, quando expliquei o título da canção de Gainsgbourg. “Se ela diz ‘eu te amo’, não faz sentido ele responder ‘eu também não’”, estava estampado em seu semblante um tanto aturdido. “Pois é, a brincadeira é essa...”, justifiquei com um sorriso. Meu pupilo não pareceu muito convencido com meus argumentos, e acredito que o tradutor das legendas também não – talvez ele tenha tentado “consertar” o que lhe pareceu nonsense.

Como já deixei claro em diversas postagens anteriores (os links estarão disponíveis no final), passar de uma língua para a outra às vezes envolve caminhos tortuosos. Veja: em francês, “também” é aussi, mas “também não” é non plus. Se você inventar um aussi non, não terá dito nada com nada. Ah!, antes que eu me esqueça: aussi também significa “tão”, quando se faz uma comparação de igualdade ou quando se exprime uma exclamação:


Ton appartement est aussi ensoleillé que le mien. (“Seu apartamento é tão ensolarado quanto o meu.”)


Je n'ai jamais vu d'aussi belle femme ! (“Nunca vi uma mulher tão bonita!”)


Outra tradução possível é “assim”, quando se quer exprimir uma consequência:

Il était épuisé. Aussi a-t-il annulé ses rendez-vous. (“Ele estava exausto. Assim, cancelou seus compromissos” – repare que esse uso de aussi exige a inversão do sujeito. Daria para dizer a mesma coisa com donc: Il était épuisé, donc il a annulé ses rendez-vous.)

Ninguém quer que as coisas sejam fáceis demais; é por isso que “assim” também pode ser dito ainsi ou comme ça. O primeiro, de acordo com minhas observações empíricas, é mais usado na escrita, para exprimir uma consequência ou uma modalidade, ao passo que o segundo é a forma de preferência na oralidade quando se quer dizer “desse jeito”.

Pourquoi il parle comme ça ? (“Por que ele fala / está falando assim?”)

Na belíssima Bonoboo, Mathieu Chedid canta este verso, escrito por sua avó, a saudosa Andrée Chedid:

C’est ainsi que vaincu / sans une once de venin / sombrant dans sa tanière / disparut Bonobooassim que, vencido, / sem um dedo de veneno / afundando-se em sua toca / desapareceu Bonoboo)

Para não perder a carona, vamos lembrar que a expressão comme ci comme ça significa “assim-assado”, e pode ser usada no sentido de “nem bem, nem mal”. Bom, espero ter demonstrado que, se você não estiver alerta, vai acabar falando e entendendo comme ci comme ça. É por isso que eu te convido a ler alguns de meus posts antigos, cujos links você encontra abaixo:




terça-feira, 9 de agosto de 2011

Gainsbourg

Acabo de voltar do meu querido Cine Metrópolis, o cinema da UFES, onde assisti a "Gainsbourg: o homem que amava as mulheres". O título em português, que não tem nada a ver com o original (Gainsbourg : vie héroïque), só faz realmente sentido quando se conhece o personagem... ou quando se vê o filme. Diferentemente do que ocorre em "Piaf - um hino ao amor" (cujo título em original é Piaf - la môme, você descobre por que com um pouquinho de pesquisa), temos nessa produção uma narrativa que mistura o real e o fantástico. 

É nisso tudo que a citação que aparece logo no início dos créditos ganha todo o seu significado. Não vou contar qual é a citação, e aliás nem é isso o mais interessante: vá ver o filme em alguma sala de projeção, baixe na internet, dê seus pulos! Se você se interessa pela cultura francesa, se você gosta de música, se você tem tesão de cinema, você não pode perder essa viagem pela biografia de um dos maiores artistas do século XX. Confesso que o estilo de Gainsbourg já me causou certa estranheza, e por sinal eu adorava provocar minhas turmas de iniciantes com Je t'aime... moi non plus, na época em que dava aulas de francês. Aliás, é preciso alertar para o fato de que o tradutor deu uma cochilada feia ao traduzir esse verso de uma das canções mais emblemáticas do eterno Serge. As legendas apresentam um "Eu te amo... eu também te amo muito" (ou algo que o valha) sem sal e simplesmente errado. A tradução correta é "Eu te amo... eu também não". É a  aparente incoerência dessa linha que a torna tão brilhante.

Irreverente, iconoclasta, irresponsável... indecente. O protagonista, sempre acompanhado de  seu cigarro, suas orelhas de abano e seu nariz indescritível, era feio de doer e simplesmente irresistível. Teve as mulheres mais lindas a seus pés, escandalizou e seduziu a sociedade de seu tempo, e está à frente do nosso. Qualquer um que já curtiu uma fossa (ou uma décadence, fica melhor em francês) num boteco fodido, qualquer um que sabe o que é ser de carne e osso, qualquer um que sente que estamos nesse mundo para algo mais do que uma rotina em preto-e-branco já teve seu momento Serge Gainsbourg.

O filme é ousado, surpreendente, empolgante. Não pude fazer outra coisa ao deixar o cinema que não comprar uma cerveja e voltar a pé curtindo o vento e o cheiro da noite. Se tudo o que eu disse ainda não te convenceu a ver o filme, talvez você se anime ao saber que é simplesmente Laetitia Casta quem interpreta Brigitte Bardot, e que a atriz inglesa que encarna Jane Birkin também não é nada mal. 

Bom, acho que é a primeira vez que falo tanto de um filme aqui no blog. Normalmente, me contento em dar um resumo magrinho da história e colocar o trailer, mas a experiência que acabo de ter no Metrópolis me exige mais do que isso. Aliás, coloco abaixo dois trailers: o que deve ser o americano (com legendas em português) e o francês (sem legendas, désolé). Você verá como a mesma película pode ser apresentada de duas maneiras completamente distintas. Não se trata de preferir uma ou outra, mas de evidenciar a riqueza de que essa diferença é a prova.

Trailer:

Bande-annonce :

P. S.: Um de meus compositores preferidos, Georges Brassens, faz uma "pontinha", cantando em uma das cenas, um pouco como acontece em Piaf. Boris Vian, um gigante da chanson que ainda tenho que me dar ao prazer de descobrir, também dá as caras em um trecho inesquecível. Não pude me impedir de pensar nas superproduções que a Marvel vem lançando, em que o Homem de Ferro ou o martelo do Thor aparecem no filme do Hulk. Bem que podiam colocar a vida de Brassens na telona daqui a alguns anos... Ah, nunca ouviu falar de Brassens? Corra para a Wikipédia e para o YouTube, escute as músicas, busque as letras e as traduções delas, você merece o prazer dessa descoberta! Claro que o mesmo vale para Gainsbourg...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Para lembrar que o futebol pode ser uma arte

Como deve acontecer quando ocorrem alinhamentos especiais entre a Terra, o sol e as estrelas, essa é uma das raras vezes em que vou escrever sobre futebol aqui neste blog. Mas acontece que o jogo entre o grande Santos e o Mengão do meu coração, na quarta-feira passada, foi simplesmente o mais incrível, o mais emocionante que eu já vi, uma daquelas obras raras que deixam a gente feliz por muito tempo. A opinião não é só minha e gostaria de compartilhar com vocês a belíssima reportagem do Esporte Espetacular, com um texto primoroso de André Boaventura e a voz marcante de... Milton Gonçalves.