sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A expressão da necessidade em francês

Mais um post com um título “super excitante”, igual A expressão da restrição em francês, Pronomes repetitivos ou Subjuntivo em português e em francês. Bom, se por um lado não sou muito inspirado para dar nome aos meus textos, por outro minha experiência me mostra que esses são pontos que merecem uma atenção redobrada da parte de alunos e professores, daí o texto ser relevante.
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Assim, vamos lembrar que, em nossa língua, temos diversos verbos que exprimem a necessidade: “dever”, “necessitar”, “precisar” e, de longe o mais frequente na fala brasileira, “ter”.
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Pois vou começar pedindo para você não falar uma mistura de francês com português, que eu carinhosamente chamo de “franguês”. Explicando: em francês, préciser significa “precisar” no sentido de “indicar com precisão”. Quer dizer que, se em sala de aula um aluno me dissesse uma barbaridade do tipo Je précise aller aux toilettes, eu teria vontade de dar uma de desentendido até ele fazer nas calças. Préciser não é sinônimo de devoir, não tem nada a ver o pescoço com as calças! Além de que é muito melhor você simplesmente dizer Pardon e se dirigir até a porta!
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Vamos lembrar também que o verbo avoir é outro que não deve aparecer nesse tipo de frase. Na verdade, ele até pode aparecer em enunciados que exprimem a necessidade (Je deviens fou quand je pense à tout ce que j’ai à faire – “Fico maluco quando penso em tudo o que tenho para fazer”), mas você percebe que estamos distantes daquele j’ai que faire beaucoup de choses, uma “coisa” horrível que leva muitos professores de francês ao pânico e à loucura. Avoir pode ser usado para exprimir a necessidade (Je n'ai pas à me mêler de sa vie privée – "Eu não tenho que me meter na vida privada dele(a)"), mas o tom do discurso me parece meio literário e pouco natural na conversação.
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E também não me venham improvisar com um nécessiter da vida. Em francês, esse verbo significa “tornar necessário” (algo como “requerer” ou “exigir”). O que significa que o sujeito do verbo nécessiter nunca pode ser uma pessoa. Se você mandar um Cette situation nécessite une attention particulière des pouvoirs publics (“Essa situação requer um cuidado especial do governo”), esteja certo de que seu professor vai ficar nas nuvens. Mas se você cometer aquele detestável Je nécessite aller aux toilettes, é melhor você não estudar comigo...
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Bom, até agora, só disse o que não pode, né? Pois bem, os verbos mais usados para exprimir a necessidade em francês são devoir e falloir, sendo que esse último é ainda mais geral (e menos empregado por alunos brasileiros). Vamos lembrar que falloir é um verbo impessoal, cujo sujeito é sempre il. Seguem alguns exemplos de frases em português e suas traduções possíveis em francês:
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“Você tem que ler esse livro.”Tu dois lire ce livre. Il faut que tu lises ce livre.
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“É preciso praticar esportes.”On doit faire du sport. Il faut faire du sport. (Quanta saliva já não foi inutilmente gasta com o clássico – e muito deselegante – “C’est nécessaire de faire du sport” que os alunos adoram...)
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“Tive que sair mais cedo.”J’ai dû sortir plus tôt. ( é o particípio passado de devoir.)
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“Bom dia, quero (preciso de) um quilo de tomates.”Bonjour, il me faudrait un kilo de tomates. (Algo que você poderia dizer a um feirante – observe que falloir está no conditionnel présent, para ficar mais educado. Repare também a construção impessoal com il.)
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E por aí vai. O importante é lembrar que falloir é o cara mais importante da história. Bom, eu não poderia deixar de mencionar avoir besoin de, queridinho dos alunos, que o usam meio a torto e a direito. É que essa expressão é um tanto forte. Fica bem em situações como On a tous besoin d’argent pour vivre (“Todo o mundo precisa de dinheiro para viver”) ou um dramático J’ai besoin de liberté (“Preciso de liberdade”). Quer dizer que, se você disser J’ai besoin d’un kilo de tomates, o feirante certamente vai entender, mas vai achar ligeiramente engraçado...

2 comentários:

  1. Parabéns! Você realmente tem o dom da escrita. "Deus" te abençoe!
    A propósito, como comentei com vc e não conseguir postar(problema de teclado), acho que para a democracia realmente existir tem que obrigatoriamente ocorrer a crítica(contraditório), afinal quem somos nós para sermos os donos das ditas "verdades".... Concordo com seu texto em gênero, número e grau.... P.S. me surpreendeu a França ter proibido a utilização do véu.... mas enfim... vamos continuar na luta..... abraços e até a aula!
    Luciane

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  2. Olá Sandro! Acho que você não vai se lembrar de mim, mas estudei francês contigo no curso de extensão da UFES. Tive que deixar o curso porque fui morar em Santa Teresa e por aí vai.
    Menino, você virou um super professor, hein? Voltei a fazer francês (estou morando, pasme, em Teresina/PI) na federal do Piauí e, buscando material sobre verbos, encontrei seu blog. Super interessante! (não é propaganda da revista) Temos muito coisa em comum, mon chèr: gatos, ateísmo, francês, comida... Bem, nesse último só gosto da parte final, que é comer, pois detesto cozinhar. Só meu amado marido consegue comer o que preparo. rsrs... Ví que você se casou, tem duas gatas lindas (eu tenho um casal, castrados, é claro), dá aulas e ama Jesus, ops... Brincadeirinha!!! rsrs... Legal te encontrar! Voltarei mais vezes para ler seus posts e deixar comentários. Sucesso e felicidades para você e família! Au revoir,
    Mônica Zierer (monica.zierer@hotmail.com)

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