terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"O CORTE", de Costa-Gavras

Na última postagem, mencionei a palavra coupe, que pode ser traduzida de diversas maneiras. Uma delas é "corte", no sentido de representação gráfica e de supressão (se você quiser ver todas as definições da palavra, clique aqui), mas "corte", na acepção de "rasgo" (um corte na pele, por exemplo), é coupure. "Levar um corte" (um "toco", um "fora") de uma mulher é prendre un râteau (um râteau é um ancinho: a metáfora aqui é a do jardineiro desastrado); em outras ocasiões, diríamos couper court (literalmente, "cortar curto") no sentido de impedir que alguém prolongue um assunto. A "cortada" do vôlei se diz em inglês mesmo, sem complexo nem antiamericanismo: un smash.
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Mas tem um filme de 2005, dirigido por Costa-Gavras (para conhecer a biografia do autor, clique aqui), cujo título em português é "O corte". No título original, é Le couperet, palavra que designa um cutelo, instrumento indispensável para quem quer preparar costeletas suínas.
O longa conta a história de um engenheiro que fica desempregado devido, justamente, a um corte nos efetivos de sua empresa (a tradução do título foi bastante inteligente, diga-se de passagem), causado, se bem me lembro, por uma délocalisation (transferência de uma atividade para outra região ou outro país, grande drama social dos operários europeus). Depois de dois anos sem conseguir uma nova colocação, o protagonista parte para uma solução radical...
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Aconselho você a alugar ou baixar o filme agora mesmo, mas, se quiser estragar um pouco o suspense, pode assistir à apresentação no Telecine antes:
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Não encontrei um trailer com legendas em português, mas você deve entender em espanhol:

sábado, 19 de fevereiro de 2011

COUP

Quem leu o vocabulário do futebol que eu linkei na última postagem deve ter percebido a recorrência do substantivo coup, palavrinha com um milhão de traduções, que deixa alguns alunos confusos. Mas não é nada de mais. Para começo de conversa, vamos nos entender sobre a pronúncia: [ku], a mesma de cou (pescoço) ou de coût (custo), e nenhum deles tem nada a ver com as calças. Se você pronunciar [kup], vai dizer coupe (corte - tipo de representação gráfica - ou corte de cabelo; copa - Coupe du Monde de fototball; taça - de sorvete ou sobremesa).
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Para compreender os diferentes sentidos que esse substantivo pode carregar, vamos partir daquele que é o central, etimologicamente falando: "golpe" (o baixo latim colpus deu origem aos vocábulos português e francês). Assim, coup d'État é "golpe de estado", coup de poing é "soco", coup de pied é "chute" e coup de tête, "cabeçada" (um golpe com a cabeça ou uma ação impensada, lembre no Zidane em 2006). Aliás, muitas das palavras formadas com o sufixo -ada em nosso idioma se tornam expressões com coup de em francês:
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coup d'oeil : olhada (pense em nosso "golpe de vista")
coup de marteau : martelada
coup de pinceau : pincelada
coup de couteau : facada
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Ou seja, qualquer ação ou movimento efetuados com um objeto ou uma patre do corpo, como os exemplos acima, dará origem a uma expressão com coup de. Em um texto anterior, comentei sobre essa tendência analítica do francês, que usa algumas palavrinhas versáteis como mise, prise ou coup para exprimir conceitos que normalmente correspondem a palavras criada por sufixação, em português.
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Voltando ao que dizíamos no início do parágrafo anterior, veremos que um coup de feu é um tiro de revólver ou pistola (um "golpe de fogo") e um coup de fusil eu não precisaria explicar... se não fosse, além do sentido literal, uma gíria para uma conta muito alta no restaurante ou no hotel (se você tentar traduzir o nosso "facada" e disser que levou um coup de couteau depois daquele jantar elegante em Paris, vão achar que você foi atacado por um maníaco).
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Alguns casos são curiosos:
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coup de fil : telefonema (literalmente, seria uma "fiada" - vale lembrar que muita gente diz "bater um fio" no sentido de "dar uma ligada", "telefonar")
coup de pouce : "mãozinha", ajuda discreta (literalmente, seria uma "polegarzada")
coup de vent : ventania
coup de foudre : raio; mas a expressão é mais usada para designar o "amor à primeira vista", aquele que nos atinge como uma descarga elétrica
coup de grâce : golpe de misericórdia
coup de dés : lance de dados ("Un coup de dés jamais n'abolira le hasard", obra de Mallarmé)
faire d'une pierre deux coups : matar dois coelhos com uma cajadada só
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Mas coup ainda pode designar um evento qualquer, como na expressão du coup, que equivale ao nosso "daí" (no sentido de "então"), ou o uso de determinado procedimento ("il a été massacré à coups d'insinuations absurdes"). Se você ouvir falar que alguém é um bon coup, isso significa que a pessoa é satisfação garantida entre quatro paredes. Agora, um coup bas significa, sem surpresa, um "golpe baixo", no boxe e em outras circunstâncias.
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Você já percebeu que, quando o assunto é coup... o buraco é sempre mais embaixo! Se quiser se aprofundar mais no assunto, vai encontrar um artigo bastante detalhado sobre essa palavra no TLF (Trésor de la Langue Française), o melhor dicionário de francês on-line que eu conheço. Basta clicar aqui.
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Para terminar, não custa nada relembrar o grande clássico Ne me quitte pas, em que Jacques Brel diz a sua amada que é preciso "esquecer o tempo dos mal-entendidos e o tempo perdido a descobrir como esquecer essas horas que matavam às vezes à coups de pourquoi o coração da felicidade".
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Para ver a canção interpretada pelo autor, clique aqui. O vídeo está legendado, com uma boa tradução - só achei estranha, justamente, a tradução de à coups de pourquoi... Você pode propor uma tradução melhor nos comentários. E pode, também, passar o tempo curtindo as muitas versões que essa música recebeu no mundo inteiro. Mas, quando escutar a Maria Gadú, faça isso unicamente para curtir o arranjo inovador e a interpretação, muito agradável. De maneira alguma aprenda a pronunciar com ela!!! Um dia ainda explico por quê.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mas que jeito de começar o ano...

Eu estava cheio de espeança de começar o ano quebrando o jejum sobre a França mas... parece que vamos ter de esperar mais alguns anos. Só que eu tenho um trunfo para não sair triste de nossos confrontos futebolísticos com os gauleses: se o Brasil tiver um desempenho inferior, eu faço pirraça e começo a torcer pour les Bleus.
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É o que muitos de meus conhecidos não entendem - eles acham que eu sou a favor da França. Nada disso! Quero ver nossa Seleção brilhar e golear, mas se a Équipe de France estiver com a bola mais redonda, aproveito de meu grande sentimento de francofilia e de meu senso de justiça para desejar que vença o melhor. Mas que fique bem claro que só faço isso com a França, com toda a licença que me dão minha profissão e minhas raízes familiares distantes (meu avô era neto de francês) - nem me passa pela cabeça virar a casaca para a Itália ou para a Argentina!
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Infelizmente, tive que me valer desse truque no último dia 9. Preferia ter inaugurado o blog em 2011 de outro jeito. Seja como for, caros amantes da língua francesa, seguem abaixo dois vídeos: a narração do gol do Benzema (você vai sentir saudades do Galvão), com a belíssima festa da torcida, e uma entrevista com o nosso novo carrasco e o camarada que fez o passe, Menez.
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Em tempo: Para os fãs da pelota que querem viajar na França e discutir sobre o assunto com os frequentadores dos PMU (Pari Mutuel Urbain, reduto em que muitos franceses assistem partidas de futebol), é só clicar aqui para ter acesso a um vocabulário bastante completo.