domingo, 12 de setembro de 2010

Sobre religião, eleições & democracia

Segue abaixo um e-mail que recebi esta semana e minha resposta. Evidentemente, o nome e o e-mail da pessoa que me escreveu serão mantidos em sigilo. Por favor, percebam que não estou pedindo votos para ninguém, mas abordando a maneira como compreendo termos como "liberdade religiosa" e "laicidade". Aliás, a relação entre religião e democracia já foi tema de outra postagem, há um bom tempo.
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Date: Sat, 11 Sep 2010 08:56:56 -0300
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Subject: Não Vote no PT - Vídeo Pastor Paschoal Piragine Jr.
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Prezados,
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Eu infelizmente não vou votar este ano pois vim para o Timor-Leste depois do prazo para transferência do título. Aliás, mesmo que tivesse dado tempo, eu somente poderia votar nas eleições presidenciais, então depende de vocês votar em políticos de partidos que tenham posição firme contra a transformação da inquidade em lei.
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Não basta só não votar na Dilma, não podemos votar em nenhum político do PT e demais partidos que tem questão fechada a favor do aborto, do casamento gay, da perseguição aos cristãos por meio da lei da mordaça gay, infanticídio de crianças índias e todos os temas tratados no vídeo cujo link está a seguir.
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Um abraço a todos e um voto consciente.
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V.
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Minha resposta:
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Caro V...,
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Como você sabe muito bem, sou ateu. Ainda assim, conheço bem o discurso de líderes religiosos e sei exatamente qual é a posição deles a respeito de temas como aborto e união civil de homossexuais. Minhas convicções pessoais já me afastam do pastor cujo vídeo você linkou, mas gostaria de ressaltar que o mais importante, a meu ver, é um valor fundamental para a democracia: a laicidade.
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Quando um partido como o PT se mobiliza para fazer com que a união civil entre pessoas de mesmo sexo seja reconhecida pela lei, está simplesmente tentando fazer valer o princípio segundo o qual o Estado não deve se orientar por convicções religiosas. Os fiéis de diversas denominações costumam ficar de cabelo em pé com a ideia de não poderem impor seus princípios morais ao funcionamento da República, mas deveriam, ao contrário, defender a laicidade. Afinal, é ela que garante a liberdade de culto. Imagine se o Brasil fosse dominado por alguma corrente religiosa que considerasse a simples existência de templos cristãos uma iniquidade. Imagine se isso levasse a uma verdadeira perseguição contra católicos e evangélicos, com o fechamento de igrejas, a destruição de bíblias e sanções penais contra aqueles que professassem um credo diferente do oficial. Certamente não é o cenário dos seus sonhos...
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O importante é garantir o direito de cada indivíduo viver de acordo com suas próprias convicções, desde que isso não implique o desrespeito ao outro. Se dois homens decidem viver maritalmente, isso é direito deles e não diz respeito aos outros. Por mais que possa chocar a sensibilidade de alguns. Afinal, é a vida deles... O uso do termo "casamento gay" é um truque retórico para causar polêmica e incitar a intolerância, uma vez que o termo "casamento" é carregado de associações religiosas e profundamente enriazado, na moralidade cristã, como um valor supremo.
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A liberdade religiosa garante às igrejas o direito de se posicionar contra a homossexualidade, de dizer que ela é um pecado e até mesmo uma "iniquidade" passível de castigo com o inferno. Mas não é por isso que um pastor pode simplesmente plantar um trio elétrico na frente de uma associação de defesa de homossexuais e ficar berrando que os "fornicadores" são pessoas imundas que merecem arder para toda a eternidade nas trevas e nas chamas do Inferno. O alarido de grupos religiosos contra a chamada "lei da mordaça gay" é, a meu ver, a reação daqueles que querem ter preservado seu "direito" de ofender quem não se encaixa nos padrões por eles ditados.
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Pense bem: se formos seguir esse tipo de raciocínio, já existe em nossa sociedade uma "lei da mordaça cristã"; afinal, alguém que fosse a público lançar ofensas e agressões verbais contra as igrejas certamente seria processado. Qual seria a sua reação se um sujeito distribuísse panfletos dizendo que os seguidores de Cristo são pessoas moralmente desprezíveis e que eles deveriam ser convertidos ao ateísmo? Mesmo sendo descrente, eu também consideraria essa atitude escabrosa, incivilizada. Certamente, não diríamos que se trata de um uso legítimo da liberdade de expressão. Porque você sabe muito bem que esse direito, que está no coração mesmo da democracia, não poderia ser usado como desculpa por um grupo neonazista que quisesse disseminar ideias racistas, ou por uma facção terrorista que tivesse a intenção de insuflar o ódio contra seja lá quem for.
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O aborto é uma outra discussão, bastante complexa, que certamente vai muito além de concepções religiosas. Quanto às outras acusações (infanticídio de crianças índias, por exemplo), é preciso ter cuidado para não ser vítima de manipulação. O mais importante é não deixarmos que nosso país, que ainda está engatinhando rumo à democracia, seja vítima de discursos fáceis e perigosos como o do pastor Paschoal. Perceba que ele coloca no mesmo saco pedofilia, infanticídio e luta por direitos civis de um grupo minoritário. Sem falar no paradoxo de ser contra o divórcio e citar números espantosos de violência familiar. (Uma mulher que fez de tudo para salvar seu casamento não deveria ter o direito de se separar de um marido agressor?) Isso é distorção e má-fé. Não tenho outras palavras.
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Não vem ao caso o fato de que os brasileiros, em sua maioria, são cristãos e se opõem ao "casamento gay". É importante lembrar que a democracia não é uma ditadura da maioria. Isso tem nomes específicos: fascismo e totalitarismo. Sinceramente, tenho medo de que o Brasil se torne uma democracia de fachada como os EUA, dominados por lobbies de todos os tipos, ou uma teocracia obscurantista como o Irã. É esse o risco que corremos se as coisas continuarem no rumo em que estão.
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Um grande abraço.
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Sandro

Um comentário:

  1. Olá Sandro, por que não tem postado nada?
    tenho lido muito seu blog, e aprendido muitas coisas.
    Não deixe de postar aqui não, abração :)

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