sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

SILAS MALAFAIA E O RELATIVISMO BARATO

Muito se falou sobre a entrevista que o pastor Silas Malafaia deu recentemente a Marília Gabriela. Suas opiniões sobre a homoafetividade geraram grande controvérsia, e um dos principais temas foi um suposto dilema entre a defesa de uma minoria historicamente oprimida e a liberdade de consciência/expressão. Daí eu me peguei com algumas perguntas: Se a pessoa é evangélica, cristã ou acredita em Deus, ela tem que estar do lado de qualquer um que compartilhe isso com ela? Combater o discurso do Malafaia é atentar contra a liberdade de expressão e de consciência? O Brasil está vivendo uma ditadura gay?

O deputado Jean Wyllys reagiu veementemente às afirmações do pastor milionário, mostrando seu ponto de vista. Elias Vieira (biólogo, mestre em genética e doutorando em genética na Universidade de Cambridge) desmontou tudo o que o pregador da televisão disse sobre as bases biológicas da homoafetividade. A réplica do Malafaia foi uma série de gritos e ataques pessoais que não apresentam nenhuma refutação direta das fontes citadas pelo especialista e investem em um entendimento equivocado do sentido da palavra “teoria” em ciência. (Para quem não sabe, uma teoria científica não tem nada a ver com um “achismo” ou uma hipótese: trata-se de um conjunto de explicações construídas a partir da observação de dados concretos. A gravidade e a existência dos germes, por exemplo, são teorias.)

O debate costuma ser acalorado, e a linguagem agressiva do televangelista costuma semear a discórdia e dificultar a discussão. Talvez por isso muita gente costume encerrar o debate com o relativismo que diz que "cada um tem a sua opinião". Mas não se pode ir além disso? O que o Malafaia disse na recente entrevista com a Marília Gabriela é um ponto de vista, OK. Mas nem todos os pontos de vista são equivalentes e nem toda opinião se justifica. A ideia que negros, mulheres e nordestinos são inferiores também é uma opinião, mas não se justifica. Para além de quaisquer princípios humanistas, há toneladas de evidências que mostram que os preconceitos de ordem étnica, sexual e geográfica não fazem sentido.

A luta dos LGBTT é simplesmente no sentido de garantir a igualdade de direitos e a proteção contra o preconceito e a discriminação dirigido a eles e às suas famílias. Todos têm direito de se sentir seguros, sem medo de ser agredidos, assassinados ou ser alvo de mentiras infundadas. As afirmações do Malafaia são baseadas simplesmente em dogmas. O que ele falou sobre genética, antropologia e psicologia é de uma falta de sentido escandalosa. E, ao contrário do que ele quer fazer parecer, seu discurso está longe de ser inofensivo. Ele pode não dizer "matem os gays", mas alimenta mentiras e fantasmas sobre os homoafetivos e reforça o ódio dos homofóbicos que "metem a mão na massa".

A questão é bem mais simples do que parece. O debate sobre o direito à opinião é importante, mas não é o fundamental da questão. O principal é que Malafaia não se contenta em exprimir um ponto de vista. Ele disse claramente na entrevista que deu a Marília Gabriela que quer influenciar na política. E, com relação à questão em foco, a grande batalha dele é impedir que os homoafetivos tenham os mesmos direitos que os héteros. Como é que a pessoa que quer ter o mesmo direito que os outros é ditadora? Poderíamos, então, falar em "ditadura negra" no caso dos negros americanos que queriam acabar com as leis racistas que os excluíam de numerosas instituições educacionais e impediam os casamentos "interraciais"? Malafaia se declarou o maior "inimigo" (a palavra é dele) dos militantes LGBTT e ninguém ignora o esforço que ele tem feito para que a homossexualidade volte a ser considerada uma doença, posição que a psicologia já abandonou há muito tempo.

E a liberdade religiosa? Malafaia tem o direito de dizer que se opõe à prática homoafetiva e que aqueles que abraçam a mesma fé que ele devem seguir o comportamento determinado pela interpretação que ele faz da fé cristã. Mas ele não quer só isso: ele quer o direito de oprimir uma parcela da população, impedindo-a de ter acesso aos mesmos direitos que todos têm. E é isso que não dá para aceitar. Além disso, é preciso ser ingênuo ou cínico para não perceber que Malafaia instrumentaliza a homofobia de muitos brasileiros como uma forma de ganhar notoriedade e alavancar seus projetos políticos. (Não, ele não precisa vir a se candidatar para ter projetos políticos.) Com relação a considerar seu discurso como de ódio: não é preciso dizer "vai lá e dá porrada" para incitar ao ódio. Quando um "homem de Deus" sustenta um discurso tão veemente contra uma minoria que está em busca de igualdade, em um país em que até hoje ocorrem muitíssimos casos de violência homofóbica, inclusive com assassinatos, em suma, quando esse pastor se declara "inimigo" desse pessoal, os homofóbicos agressivos se veem reforçados em sua intolerância.

Assim como nenhum ateu sério apoiaria alguém que dissesse que todos os cristãos são imorais, assim também os evangélicos deveriam buscar suas melhores lideranças, não sujeitos do baixo nível de Malafaia. Seu linguajar vulgar e sua tendência a querer ganhar tudo no grito mostram que ele não argumenta melhor que um pitboy. A confrontação que ele cria só serve para gerar hostilidade e separação, e o mundo precisa de informação, diálogo e amor para que possamos viver juntos. Não seria essa a mensagem mais bonita de Jesus? O importante é compreender que os evangélicos não precisam entrar no jogo do Malafaia e ficar do lado dele. Há cristãos que aceitam a diversidade sexual – os partidários do Malafaia querem negar a eles o direito de se proclamar cristãos? Justamente eles, que são protestantes e, portanto, batalharam pelo direito à liberdade de interpretação das Escrituras? Por sinal, há muitos evangélicos que fazem questão de deixar claro que o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo não os representa. Eles fizeram uma petição para mostrar sua força, cujo link está disponível no final do texto.

Quem tem amigos gays e lésbicas, como eu, não pode tolerar o preconceito, o julgamento infundado; o texto do deputado Jean Willys não se opõe à liberdade religiosa, mas à expressão de um tipo de fundamentalismo do qual o Silas é uma das expressões mais eminentes. Ninguém com um mínimo de inteligência vai defender o "direito de expressão" de falseadores como os nazistas e os fundamentalistas islâmicos, judeus ou cristãos. Da mesma forma, Silas Malafaia não tem o "direito" de continuar veiculando suas mentiras e sua intolerância sob a capa da religião e do seu diploma em psicologia.

Como lutar contra um adversário tão rico e poderoso? Foi feita uma petição para que Malafaia tenha seu registro de psicólogo cassado, em função da campanha que ele promove contra as minorias sexuais. É preciso saber que frontalmente Malafaia descumpre o estabelecido pela Resolução N.º 001/99 do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe explicitamente os psicólogos de patologizar a homoafetividade e manter discurso público contra ela. Isso justifica, de modo objetivo, a abertura de processo administrativo contra ele dentro do Conselho Federal de Psicologia. Não se trata, portanto, de um abaixo-assinado querendo proibir suas atividades de pastor. Apesar disso, fundamentalistas evangélicos lançaram outra petição, solicitando que o mercador da fé pudesse continuar se declarando psicólogo. Felizmente, a comunidade do Avaaz.org decidiu que a segunda petição não se enquadrava dentro de seus princípios e a retirou do ar. Claro que teve gente falando em "ditadura". Vamos esclarecer isso.

Primeiramente, lembremos que um dos objetivos do Avaaz.org é lutar pela democracia e pelos direitos humanos, e uma petição para defender alguém que dedica parte considerável de seu tempo a disseminar preconceitos não faz sentido nessa plataforma. Imaginem se alguém lançasse no Avaaz.org uma petição em favor do Renan Calheiros ou da legalização do Partido Nazista no Brasil? Pois é, é a mesma coisa. Outro ponto importante é que Malafaia se apresenta como psicólogo para tentar dar mais peso a seu discurso, mas descumpre normas explícitas do Conselho Federal de Psicologia. Nesse sentido, Malafaia não tem o direito de continuar se apresentando como psicólogo. É por isso que a petição contra ele se justifica e é por isso que a resposta dos fundamentalistas evangélicos não faz nenhum sentido. Não se trata de um concurso de popularidade, mas de uma argumentação em cima do cumprimento das regras ligadas ao exercício de uma profissão. Essas regras, por sua vez, são baseadas no estado dos conhecimentos científicos do campo de saber que embasa essa profissão.

Se Malafaia quiser provar que a homossexualidade é um transtorno e que casais formados por pessoas do mesmo sexo não têm condições de educar crianças, que faça uma pesquisa séria, baseada em dados concretos, submeta-a a revisão por um conselho editorial de uma revista especializada em psicologia e convença uma parte considerável dos profissionais da área. E que consiga derrubar a Resolução N.º 001/99 do CFP. Enquanto ele não fizer isso, qualquer discurso nesse sentido é preconceito puro e simples, sem mais fundamento do que o racismo ou o machismo e merecedor do mesmo desprezo por parte das pessoas decentes e esclarecidas.

Petição dos evangélicos que não se sentem representados por Malafaia:

Petição solicitando a cassação do registro de Malafaia no CRP:

Entrevista de Malafaia com Marília Gabriela:

Notícia do comentário de Jean Willys sobre a entrevista de Malafaia:

Artigo de Alyson Freire sobre a teologia da prosperidade de Malafaia:

Crítica do geneticista Eli Vieira (biólogo, mestre em genética e doutorando em genética pela Universidade de Cambridge) às afirmações pseudocientíficas de Malafaia:

Reação de Malafaia à crítica do especialista (somente para quem consegue conter sua ânsia de vômito ao ver tanta arrogância e desinformação):

Artigo desmontando a refutação de Malafaia ao geneticista Eli Vieira:

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