sábado, 20 de agosto de 2011

Quando os tradutores dormem no ponto... e algumas dicas de vocabulário

Em meu texto anterior, comentei rapidamente a cochilada imperdoável do tradutor que fez as legendas do filme sobre a vida de Serge Gainsbourg: em vez de traduzir Je t’aime... Moi non plus como “Eu te amo... Eu também não”, o indivíduo perpetrou um “Eu te amo... Também te amo muito” ou algo do gênero. Não gosto de jogar pedra no trabalho de ninguém, mas essa bobeada comprometeu terrivelmente a compreensão do espectador que não fala francês. Além de que se trata de conteúdo ministrado em turmas iniciantes!

Lembro de quando, estando em meu primeiro semestre de francês, comecei a ler A Náusea, de Sartre. Em português. Logo no começo, o protagonista ia a um bar que ele dizia ser “cheio de celibatários”. Fiquei chocado. Eu já sabia que a palavra célibataire significa tanto “solteiro” quanto “celibatário”, mas o contexto indicava claramente que a melhor opção era “solteiros” ou “solteirões”. Por mais que “celibatário”, em nosso idioma, também tenha sua polissemia, o fato é que se trata de um termo muito marcado culturalmente, e isso tem que pesar na decisão do tradutor. Moral da história: perdi a confiança na tradução e larguei o livro de lado.

Lembro também, para voltar ao assunto do início, da cara de perdido de um aluno, alguns semestres atrás, quando expliquei o título da canção de Gainsgbourg. “Se ela diz ‘eu te amo’, não faz sentido ele responder ‘eu também não’”, estava estampado em seu semblante um tanto aturdido. “Pois é, a brincadeira é essa...”, justifiquei com um sorriso. Meu pupilo não pareceu muito convencido com meus argumentos, e acredito que o tradutor das legendas também não – talvez ele tenha tentado “consertar” o que lhe pareceu nonsense.

Como já deixei claro em diversas postagens anteriores (os links estarão disponíveis no final), passar de uma língua para a outra às vezes envolve caminhos tortuosos. Veja: em francês, “também” é aussi, mas “também não” é non plus. Se você inventar um aussi non, não terá dito nada com nada. Ah!, antes que eu me esqueça: aussi também significa “tão”, quando se faz uma comparação de igualdade ou quando se exprime uma exclamação:


Ton appartement est aussi ensoleillé que le mien. (“Seu apartamento é tão ensolarado quanto o meu.”)


Je n'ai jamais vu d'aussi belle femme ! (“Nunca vi uma mulher tão bonita!”)


Outra tradução possível é “assim”, quando se quer exprimir uma consequência:

Il était épuisé. Aussi a-t-il annulé ses rendez-vous. (“Ele estava exausto. Assim, cancelou seus compromissos” – repare que esse uso de aussi exige a inversão do sujeito. Daria para dizer a mesma coisa com donc: Il était épuisé, donc il a annulé ses rendez-vous.)

Ninguém quer que as coisas sejam fáceis demais; é por isso que “assim” também pode ser dito ainsi ou comme ça. O primeiro, de acordo com minhas observações empíricas, é mais usado na escrita, para exprimir uma consequência ou uma modalidade, ao passo que o segundo é a forma de preferência na oralidade quando se quer dizer “desse jeito”.

Pourquoi il parle comme ça ? (“Por que ele fala / está falando assim?”)

Na belíssima Bonoboo, Mathieu Chedid canta este verso, escrito por sua avó, a saudosa Andrée Chedid:

C’est ainsi que vaincu / sans une once de venin / sombrant dans sa tanière / disparut Bonobooassim que, vencido, / sem um dedo de veneno / afundando-se em sua toca / desapareceu Bonoboo)

Para não perder a carona, vamos lembrar que a expressão comme ci comme ça significa “assim-assado”, e pode ser usada no sentido de “nem bem, nem mal”. Bom, espero ter demonstrado que, se você não estiver alerta, vai acabar falando e entendendo comme ci comme ça. É por isso que eu te convido a ler alguns de meus posts antigos, cujos links você encontra abaixo:




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