terça-feira, 25 de agosto de 2009

Gravatinha ao molho de taioba

Qualquer pessoa que entenda um mínimo de cozinha sabe que esse papo de comida "chique" e comida "de pobre" é, muitas vezes, uma grande baboseira. Pratos populares podem ser tão complexos, interessantes e saborosos quanto criações de chefs europeus, ou até mais. Já comi uma buchada de bode que me pareceu uma obra de arte: por dentro de uma "bolsa " de bucho, costurada delicadamente, escondiam-se miúdos finamente picados e com um tempero delicioso.
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Por outro lado, alguns ingredientes para os quais muita gente torce o nariz são muito gostosos e podem ser usados de maneira surpreendente. Hoje, vou falar da taioba: é uma folha verde-escura muito consumida na roça, refogada mais ou menos como couve, acompanhando ovo frito e o indefectível feijão-com-arroz. Mas a taioba tem uma cremosidade toda especial. Foi a partir dessa característica que resolvi transformá-la em molho para massa. É um prato para uma refeição leve ou para acompanhar alguma carne ensopada. A receita é muito simples:

Ingredientes para 4 pessoas:
2 ou 3 maços grandes de taioba
1 cebola picada
2 dentes de alho picados
300 g de requeijão cremoso (pode ser catupiry, também)
Manteiga
Macarrão gravatinha
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Preparo:
Retire as três grandes nervuras de cada uma das folhas de taioba, enrole-as e corte-as grosseiramente. Esquente água com sal numa panela grande para preparar o macarrão. Numa panela média, esquente a manteiga e doure a cebola e o alho. Refogue em seguida a taioba, deixando murchar um pouco. Passe tudo para um processador ou um liquidificador e bata com o requeijão até obter uma mistura mais ou menos homogênea. Volte o creme para a panela, com o fogo apagado. Quando o macarrão estiver pronto, escorra-o, reservando um pouco da água de cozimento para diluir e aquecer o molho. (Você pode jogar um pouco da água quente no processador, para puxar o creme que tiver "colado" e adicioná-lo ao molho.) Acrescente o macarrão na panela, mexa bem e sirva.
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Como você percebe, a versão da foto não foi passada no processador, e eu não misturei o macarrão no molho. O preparo descrito acima é o da última vez que fiz: ficou muito mais gostoso, com um verde bem mais vivo. Infelizmente, eu não estava com minha máquina fotográfica.
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Variante: Pique bacon em cubos e leve-os ao fogo baixo para que eles fritem na própria gordura. Reserve-os. Siga todos os passos anteriormente explicados, como se a gordura do bacon fosse a manteiga. Espalhe os cubinhos de bacon sobre o molho na hora de servir.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tous les matins du monde

Acabo de assistir Tous les matins du monde (deve ser Todas as manhãs do mundo em português), que me foi passado por minha ex-aluna Danielle. O título, que à primeira vista soa estranho, vem do aforismo "Tous les matins du monde sont sans retour" ("todas as manhãs do mundo são sem volta").
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Trata-se de um filme de época que foi rodado em 1991 e que tem um traço do cinema francês que muita gente estranha: a grande quantidade de silêncios. Diferentemente das produções um tanto verborrágicas às quais estamos habituados, esse filme nos permite sentir melhor o ritmo do passado e, sobretudo, apreciar a magnífica interpretação dos atores. A reconstiuição histórica é impressionante (pelo menos, é o que parece para um leigo como eu), e ainda dá pra ter um gostinho da música daquela época. Não sei se dá para encontrar esse filme nas locadoras de Vitória, mas há vários trechos disponíveis no Youtube. Aqui segue o trailer:
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Para os alunos de francês, será particularmente interessante reparar em alguns traços seiscentistas: formas verbais como je puis (em vez de je peux), hoje reservada à língua erudita; o uso de père, e não papa, para dirigir-se ao pai; a negação feita apenas com o ne; e o emprego de vous entre pessoas próximas (pais e filhos, marido e mulher - tratamento extremamente incomum nos dias de hoje).
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Com relação a esse último ponto, é interessante perceber que as filhas de M. de Sainte-Colombe (o professor de viola) dirigem-se a ele usando a forma vous mas, em momentos de maior emoção, passam ao tu. Há um exemplo no trailer, quando Toinette (a ruiva, à esquerda) grita: Attendez, père, attends ! Essa oscilação tu-vous é rara hoje em dia, justamente porque o uso de vous é mais restrito do que no século 17.
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Se você não encontrar Tous ls matins du monde em sua locadora, alugue Molière, do qual já falei neste blog. É um filme completamente diferente (talvez mais ao gosto do público brasileiro) mas, como se passa no século 18, também é muito interessante do ponto de vista linguístico.
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P.S.: Eu, pessoalmente, sempre assisto um filme, sem preposição. É assim que 99% dos brasileiros (que constituem a maioria esmagadora dos falantes de português) falam espontaneamente, e eu não vejo problema nenhum nisso. Se os portugueses usam a preposição, isso é com eles: gosto muito de nossa maneira de falar.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Dicionário visual on-line: seus problemas acabaram!

Cansado de procurar uma palavra específica em francês e não encontrar no dicionário? Com a ajuda desse site, se você quiser saber como se diz, vamos lá... "aba de paletó", é só você entrar na parte Costume (paletó). Lá, você encontra uma imagem e o vocabulário com vários detalhes. Em baixo, você ainda encontra a definição de cada um dos termos.
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Agora vai uma dica para o uso desse site e de dicionários francês-francês. Muitas vezes, é interesante consultar a definição de algo que você já conhece, para aprender justamente a dar definições. A capacidade de explicar o que se quer dizer é essencial para contornar lacunas em seu vocabulário: você pode não conhecer a palavra exata, mas não passa aperto. Consultar a definição de uma palavra que você já sabe tem, ainda, a vantagem suplementar de que você pode encontrar, no texto explicativo, palavras que ainda não conhece, mas que consegue entender pelo contexto.

Direções em francês

Não tenho nenhuma turma de B3 nesse semestre, mas para aqueles que estão nesse nível agora ou para aqueles que quiserem dar uma rápida revisão no vocabulário de direção (itinerário), segue o link para um videozinho muito simpático. Tem legendas em inglês, mas nem precisa, porque é realmente bem fácil de entender. Lembre-se que nunca é demais revisar algo tão útil, e o vídeo é bem rápido.
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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

McDonald's de graça!!

Qualquer um que me conhece sabe que eu não nutro grande simpatia pelo McDonald's. Não tenho nada contra hambúrguer, sanduíche ou refrigerante, veja bem: de vez em quando preparo um aqui em casa que é uma delícia, com picles, alface crocante, tomate vermelhinho, mostarda, bacon e tudo o que a imaginação mandar. Mas as coisinhas do McDonald's (inclusive a batata) são muito ruinzinhas: parece tudo feito de isopor! Guardo bem a memória da última vez que comi aquela bagaça de BigMac, cerca de quinze anos atrás. (Poxa, tô ficando velho...)
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De qualquer forma, se você sabe apreciar o pão de pepelão com hambúrguer de plástico, molho de espuma de barbear e batatas fritas de isopor, confira as dicas desse francês para economizar no drive-thru do McDo.
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P.S.: Não me responsabilizo se você tentar. Lembre que é crime previsto em lei!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

CONCURSO "Vídeo da menininha e sua história abismal"

Depois de passar o mês de julho em "quase férias" e sem postar nada, retomo o blog com esse vídeo de uma menininha francesa contando uma história completamente "abismal", como diria o Marco Luque, do CQC. Quem me passou o link foi meu queridíssimo Luciano Bravo. Tem legendas em inglês, o que pode te ajudar ou não servir para absolutamente nada.
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O bacana, para quem estuda francês, é ver a maneira de falar das crianças e perceber que não há nenhuma desculpa para dizer que passé composé e imparfait são difíceis. Mas há pelo menos um momento em que ela troca o auxiliar (usando o avoir no lugar do être, ou vice-versa). E quem tiver estudado direitinho vai encontrar também um caso de passé simple. Aí você pergunta: passé simple não é um tempo "extinto" no francês oral? É. A explicação mais provável é que ele tenha aparecido na fala da garotinha porque sua mãe lê contos de fada para ela, e o passé simple é sempre usado nesse tipo de texto.
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Assim, vou lançar um concurso: vou dar um DVD com filmes franceses ou músicas francesas em mp3 para a primeira pessoa que deixar, nos comentários, a transcrição da frase em que a menininha troca o auxiliar e daquela em que aparece o passé simple. Tem que indicar o momento em que a frase ocorre (por exemplo, 3:18). É só a Polícia Federal não me prender antes e a pessoa vir buscar o prêmio no Centro de Línguas. Marcamos a data de entrega por e-mail: sandrodecott@gmail.com. Um abraço, boa sorte e divirta-se.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Traição no Texas

Quando eu tinha mais ou menos 16 anos, fiz essa dublagem com meu primo Juliano e meu grande amigo Wesley, improvisando uma gambiarra muto doida entre dois vídeos K7 e um Micro System, fazendo sonoplastia com papel celofane, isopor, garrafa pet e um colchão (sim, o barulho de lenha quebrando custou um buraco no colchão do meu tio).
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Infelizmente, no processo de digitalização, perdeu-se a cor (na descrição do vídeo no Youtube, o Wesley explica os detalhes técnicos).
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Assista até o fim dos créditos.
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Traição no Texas

terça-feira, 23 de junho de 2009

Diploma de jornalista

Um dos assuntos que vêm sendo mais debatidos nos últimos dias é o fim da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalismo. Você pode se perguntar por que diabos eu resolvi falar disso. Afinal, eu sou professor de francês. Mas a verdade é que, antes de começar meu curso de Letras, fiz dois anos de Jornalismo. O fato de eu ter desistido da profissão já fala por si, mas eu gostaria que você entendesse melhor a situação.
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Lembro-me, sem saudade, de alguns professores “morcegos” e de outros, como os de Economia e de Psicologia, que nos davam aula porque eram proibidos de ensinar os alunos de seus respectivos departamentos. Também não esqueço de nosso laboratório mal-equipado e da imensa facilidade com que alguns colegas pouco aplicados tiravam 10. Em meus pesadelos, ainda me recordo de quando fazíamos uma disciplina chamada “Expressão oral e escrita em jornalismo 1”: nossa “prática”, no laboratório, consistia em adaptar notas de jornal impresso para texto de TV. Foi a mesma coisa durante todo o semestre. E a professora nunca simpatizava com o que eu escrevia. Se fosse só eu não saber escrever para TV, até que vá, eu realmente acho que não dava pra coisa, mas o problema é que ela continuava em pé do meu lado, batia palmas para chamar a atenção de toda a turma e berrava: “Olha, gente, isso aqui não pode fazer, não: o colega de vocês escreveu portanto no texto dele”. Em meus tempos de escola primária, nunca fiquei de castigo ajoelhado em cima de grãos de milho nem usei orelhas de burro, mas acho que aqueles constrangimentos semanais me deram uma ideia precisa de qual deve ser a sensação.
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Evidentemente, o curso teve muitos pontos positivos, especialmente no que se refere às disciplinas não-específicas da área de jornalismo: psicologia, filosofia, antropologia, estética da arte... Mas gostei muito de fotografia e de teoria da comunicação, também. Por outro lado, depois que saí, o currículo do curso foi reformulado e o laboratório foi reequipado.
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De qualquer forma, o que mais me interessa é como mudei de lá para cá: durante aqueles meus primeiros semestres de Ufes, estava convicto de que era marxista-comunista e, se a exigência de diploma fosse revogada naquela época, tenho certeza de que eu praguejaria contra “o governo neoliberal que está lesando os direitos da classe jornalística para beneficiar o baronato da mídia”. (Acho que, se tivesse a oportunidade, também participaria de uma passeata ostentando bótons de “Fora FHC, fora FMI”.)
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Ontem, no entanto, na fila do supermercado, folheio a Veja e olho o editorial, que se posiciona a favor da medida do STF: segundo a revista, a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista era uma herança da ditadura militar (foi implementada em 1969, o que já é bastante significativo) e cerceava o direito à livre expressão. Convém lembrar que semelhante exigência não existe em países como Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Reino Unido, Suécia e Suíça. E que a não-obrigatoriedade do diploma não diminui necessariamente o valor de mercado da formação em jornalismo (mas certamente não estimula a criação de 200 faculdades de fundo de quintal).
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Na edição de hoje de A Gazeta, li um texto que tratava de uma manifestação de estudantes de jornalismo que, naturalmente, se opunham ao fim daquela reserva de mercado. O jornalista que assinava o texto não escondia uma certa simpatia pelos “protestos pelo fim da exigência de diploma”. Isso mesmo. Protestos pelo - e não contra o fim da exigência, como ele escreveu, corretamente, algumas linhas abaixo. Uma parte cruel de meu ser sussurrou: “São necessários quatro anos de estudo para escrever de modo desatento?”
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Afastei esse pensamento antipático, mas acabei me lembrando de meus tempos de estudante e concordei com a Veja, pensando com meus botões: “Quem sabe agora os jornais não vão melhorar?”

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A coisa mais linda do mundo


É ou não é a coisa mais linda do mundo, essa minha filha?

Pronomes repetitivos

O chamado método direto de ensino (no qual se fala apenas a língua-alvo, a L2) tem diversas vantagens: é mais dinâmico, mais desafiador e estimula o aluno a tentar entender o idioma estrangeiro em seus próprios termos, sem buscar comparações forçadas com a sua língua materna (L1). Isso ajuda a aprender a “pensar” em L2. No entanto, algumas comparações entre L1 e L2 podem ser bastante úteis, e um professor que quisesse excluir completamente da sala de aula a língua materna de seus alunos pode acabar complicando seu trabalho ou avançando menos do que gostaria.
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Gostaria, aqui, de abordar um pouco os pronomes franceses. O assunto pode parecer meio árido e, muitas vezes, é abordado apenas com exercícios mecânicos (ainda que, sinceramente, eu não veja muito como mudar isso). Mas o interessante é notar como o português brasileiro e o francês têm comportamentos completamente diferentes nesse ponto. Nós, brasileiros, costumamos deixar vazia a posição do pronome objeto direto:
– Você viu Jean-Pierre ontem? – Sim, eu vi. (– Est-ce que tu as vu Jean-Pierre hier ? – Oui, je l’ai vu.)
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“Eu vi”, em que o pronome objeto simplesmente desaparece, é uma alternativa encontrada por grande parte dos brasileiros para evitar a forma “certa” (“sim, eu o vi”), que soa artificial ou pedante, e a forma “eu vi ele”, que é estigmatizada e, portanto, freqüentemente evitada por falantes escolarizados. (Curiosamente, muitas das pessoas que debocham de quem diz “eu vi ele” dizem “eu vi ele chegando”, ainda que não percebam ou não admitam – é uma contradição engraçada, mas vamos deixar esse assunto para outro dia; digamos apenas que, cientificamente falando, não há nada de escandaloso em “eu vi ele”.)
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Em francês, por outro lado, o uso dos pronomes complemento de objeto direto (COD) é corriqueiro. Na língua falada, eles têm até tendência a se multiplicar “desnecessariamente” (digo entre aspas porque, se o falante repete algo, ele tem um motivo). Nas frases abaixo, observe a repetição do OD:
Je ne le connais pas, ton frère. (“Eu não o conheço, seu irmão.”)
Ces livres-là, tu peux les emprunter, si tu veux. (“Aqueles livros, você pode pegá-los emprestados, se quiser.”)
Tu la manges, ta soupe. (“Você a toma, sua sopa.” Frase com sentido imperativo que uma mãe poderia dirigir ao filho – menos ríspida do que Mange ta soupe !)
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Ter consciência dessa repetição pode ser decisivo para interpretar corretamente um enunciado como Simone, je la connais bien (literalmente “Simone, conheço-a bem”), em que “Simone” pode não ser um vocativo e sim um complemento de objeto direto deslocado de sua posição habitual e repetido pelo pronome. Ou seja, posso não estar falando com ela, mas falando dela (o contexto se encarrega de tirar qualquer dúvida).
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Em português coloquial, o complemento de objeto indireto (COI) de 3ª pessoa costuma ser retomado por um pronome precedido de preposição, em vez dos pronomes lhe, lhes (que, entre nós, só aparecem na escrita): “Eu fui jantar na casa de Julie e Pascal e levei uma garrafa de vinho para eles” (“lhes levei uma garrafa de vinho” sairia muito forçado em qualquer conversa). Em francês, lui e leur apareceriam tranquilamente, sem ares de linguagem rebuscada.
Je suis allé dîner chez Julie et Pascal et je leur ai apporté une bouteille de vin.
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Aliás, a tendência à redundância também se observa com os pronomes lui, leur.
Je lui ai dit à Céline qu’elle allait arriver en retard. (“Eu disse pra Céline que ela ia chegar atrasada.”)
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Na verdade, o francês oral / informal possui várias marcas redundantes como essa. Quando estudamos os pronoms toniques, infelizmente, raramente temos tempo de mostrar aos alunos como eles são importantes para esse tipo de repetição reiteradora. Vão alguns exemplos, seguidos de traduções literais:
Hans est allemand, mais Pierre, lui, il est français (“Hans é alemão, mas Pierre, ele, ele é francês.”)
Il est arrivé en retard, lui. (“Ele chegou atrasado, ele.”)
Je ne t’ai pas vu, toi. (“Eu não te vi, você.”)
J’irais bien à la plage, moi. (“Eu iria com prazer à praia, eu.”)
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Os famosos pronomes y e en também não escapam. Terror dos alunos do B3, esses pronomes, apresentados como recursos que permitem evitar repetições, aparecem frequentemente em construções que, montadas de outra forma, os dispensariam:
Les parfumeries, je n’y mets jamais les pieds sous peine d’une migraine aiguë (o que poderia ser dito de modo mais direto: Je ne mets jamais les pieds dans les parfumeries... “Eu nunca ponho os pés em uma perfumaria, para não sofrer de uma enxaqueca aguda”)
Le chocolat, j’en mange très peu, mais j’adore ça (ou Je mange très peu de chocolat... “Eu como muito pouco chocolate, mas eu adoro”)
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Evidentemente, tanto essas repetições com os pronomes y e en quanto aquelas com os pronomes COD ou COI ou com os pronoms toniques não são obrigatórias; na verdade, correspondem mais à necessidade que às vezes se tem, na fala, de destacar algum elemento, deslocando-o e repetindo-o. O mesmo fenômeno existe em português, mas com palavras diferentes.
Outro caso de construção aparentemente repetitiva, mas que é necessária, é o de pronomes como qui (“que”, “quem”) e (“onde”, “em que”). Em português, quem e onde podem ser usados em início de frase, sem antecedente:
Quem quiser ir ao museu hoje à tarde deve pegar o ingresso com Denise.”
Onde eu nasci, não tem guerra.”
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Em francês, qui e só podem ser usados em início de frase interrogativa: Qui est-ce ? (“Quem é?”); habitez-vous ? (“Onde você mora?”). Só em provérbios (linguagem antiga, portanto) encontramos qui em construções como a do português:
Qui ne dit mot consent (“Quem cala consente”), Qui ne risque rien n’a rien (“Quem não arrisca não petisca”), Qui se sent morveux se mouche (literalmente, “Quem se sentir encatarrado que assoe o nariz”: o nosso “Se a carapuça servir...”) e muitos outros.
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Os exemplos acima, para serem naturais em francês, deveriam ser:
Ceux qui veulent aller au musée cet après-midi doivent prendre le ticket d’entrée avec Denise. (Aqui você vê que os pronomes demonstrativos servem para muito mais coisa do que você pensava!)
Là où je suis né, il n’y a pas de guerre.
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Essa última frase, aliás, é tirada de uma música de Camille Dalmais: Là où je suis née (a letra está nos comentários). É meio paradinha, mas muito bonita, e permite ver, nos vídeos relacionados, outras canções dessa cantora, todas bem diferentes entre si e às vezes muito loucas. Recomendaria especialmente Paris, Ta douleur e Les ex. É com Camille que eu me despeço, pedindo desculpas se fui muito repetitivo.

P.S.: Às vezes, as repetições são ainda mais impressionantes, como no caso de uma canção do Paris Combo (Si mon amour), na qual encontramos Là où l'on cherche le bien, on y trouve le mal (“Lá onde se busca o bem, se encontra o mal”).

sábado, 23 de maio de 2009

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Lula com shiitake e geleia

Ingredientes (para duas pessoas):
4 lulas inteiras
Shiitake cortado em tiras
Salsão (aipo) cortado em rodelas
Geleia – de preferência, sem muito açúcar e à base de alguma fruta escura (morango, cassis, jabuticaba etc.)
Gengibre picado fino
Alho picado fino
Shoyu diluído em um pouco d’água
Uma colher de café de maisena (com s: lembre-se que Maizena, com z, é a grafia antiga, que permaneceu como marca registrada da Duryea)
Pimenta síria
Sal e pimenta-do-reino
¼ de um tablete de manteiga (50g)
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Brócolis cozido no vapor e pão para acompanhar
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Preparo
Trate as lulas: retire, com muito cuidado, a tinta, que se localiza naquelas duas bolinhas que parecem olhos. Retire da “cabeça” dela uma certa massa gordurosa, caso encontre (parece uma gelatina sem cor). Já encontrei surpresas curiosas, como um peixe inteiro ou até um caranguejinho qua a lula comeu. Lave e, em seguida, deslize a ponta do dedo por dentro da lula até achar uma espécie de cartilagem: é a “espinha”. Puxe-a delicadamente, para que ela não quebre. Se você não conseguir tirar tudo e ainda sobrar um pedaço, fique tranquilo, porque não espeta. Só vai fazer um “croc-croc” desagradável na hora de comer.
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Numa frigideira de fundo grosso, doure o alho e o gengibre em metade da manteiga e refogue o shiitake com o salsão. Reserve. Tempere as lulas com o sal e as pimentas e, na mesma frigideira, passe-as no restante da manteiga até que amaciem (a lula costuma ser bem mais macia do que o polvo, e o cozimento excessivo deixa a carne dura).
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Acenda o forno a 200° C. Com uma colher pequena e muita delicadeza, recheie as lulas com o refogado de shiitake e salsão. Unte um refratário com manteiga ou azeite e forre-o com pedaços de brócolis. Disponha as lulas por cima e leve ao forno para aquecer (5 minutos no máximo).
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Volte à frigideira para fazer o molho: misture o shoyu com a maisena e leve ao fogo, mexendo até começar a engrossar. Acrescente a geleia e misture bem. Sirva imediatamente, acompanhado de pão (que serve para puxar o molho do prato, “técnica” francesa chamada tremper son pain).

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Jô Soares entrevista Michel Legrand

Entrevista com o grande Michel Legrand, grande compositor de trilhas sonoras para o cinema e jazzista de mão cheia, com suas marcantes sobrancelhas de lagarta cabeluda. Dá para encontrar coletâneas dele no Brasil. Na entrevista, você talvez perceberá que algumas brincadeiras que M. Legrand faz não puderam ser traduzidas.
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Numa delas, talvez a mais criativa, ele explica como se apaixonou por Catherine, sua mulher. Ele começa com On s'est beaucoup plu ("gostamos muito um do outro") e, mais adiante, lança À l'averse. É preciso entender que, em francês, a forma plu é o participe passé dos verbos plaire (agradar) e pleuvoir (chover). Assim, on s'est plu significa, ao mesmo tempo, "a gente agradou um ao outro" ou "a gente se choveu". Essa última frase é, naturalmente, agramatical, mas aí é que está a graça, porque averse é uma chuva forte que vem de repente, como o amor de Legrand por sua mulher. Fica mais divertido se lembrarmos que uma das composições mais conhecidas de M. Legrand é o tema de Les parapluies de Cherbourg ("Os guarda-chuvas do amor" - Chergourg, na verdade, é uma cidade da Normandia, região com altos índices pluviométricos).
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Numa outra, logo no início, quando Jô brinca com as palavras harpiste (harpista) e harpie (harpia, ave de rapina muito grande e voraz), Legrand continua com artiste harpiste hors-piste (artista harpista fora da pista - como o ski mais radical), que nem foi traduzida.
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Abertura (escute com fones de ouvido para apreciar melhor)
1ª parte


2ª parte
Quando terminar de ver a entrevista, aproveite para escutar algumas músicas nos vídeos relacionados que vão aparecer.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Minha religião

Alguns povos cultuam seus ancestrais. É o que eu faço com minha mãe e meu avô: pensar neles me ajuda a viver. Na foto, minha mãe e minha filha Lili.

Ateu militante

Recentemente, li uma matéria da revista Época sobre uma pesquisa científica que supostamente provaria que o ser humano tem uma inclinação natural a acreditar em uma divindade. O biólogo britânico Richard Dawkins, a única voz dissonante num texto claramente pró-religião, foi apresentado da seguinte maneira: “cientista pop e ‘ateu militante’”. Repare que a expressão ateu militante estava, no original, entre irônicas aspas.
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A ideia por trás do debochinho era, provavelmente, que defender publicamente o ateísmo, como faz Dawkins, é um contra-senso, que seria um proselitismo igual ao das religiões. Em reação ao crescente movimento de autoafirmação dos ateus, alguns soltam a pérola: o ateísmo é uma religião como as outras. Numa de minhas andanças pela Internet, encontrei essa resposta magistral: “afirmar que o ateísmo é uma religião é o mesmo que dizer que calvície é uma cor de cabelo ou que sedentarismo é um esporte”. Na mosca!
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Ateu militante (sem aspas, uma vez que me considero um) é aquele que luta contra o preconceito de que são vítimas os que não compartilham das crenças dominantes e que considera importante defender o Estado laico das investidas dos grupos religiosos.
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O primeiro fato a entender é que existe discriminação contra ateus. As pessoas sequer se dão conta disso, de tão normais que são, em nossa sociedade, ideias curiosas como “uma pessoa que não acredita em Deus não tem senso moral” ou francamente absurdas do tipo “se você não tem medo de ir para o inferno, o que te impede de matar alguém?” O pior é quando explicam algum crime hediondo dizendo que o sujeito "não tem Deus no coração".
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Sinceramente, você acha que um político abertamente ateu ganharia uma eleição em nosso Brasil varonil? Nos EUA, onde o lobby religioso é incrivelmente poderoso, a constituição de alguns Estados estabelece que não se pode aceitar como testemunha em processos judiciais alguém que não acredita em algum ser superior ou em um estado de punições e recompensas após a morte. O Dr. Dráuzio Varella conta, aqui, a reação de muitas pessoas ao descobrirem que ele é ateu.
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Segundo: sem um Estado verdadeiramente laico, não há democracia. Deixo, aqui, de lutar contra o preconceito para lutar apenas pelo respeito à constituição. O avanço dos grupos religiosos na política leva a bizarrices como o caso de algumas escolas públicas americanas que ensinam o criacionismo ao lado da teoria da evolução ou até no lugar dela. Para um caso extremo, basta citar o Irã. A questão é importante e menos complicada do que gostam de pintar: a oposição de muitos grupos cristãos ao desenvolvimento de pesquisas com células-tronco embrionárias pode, no futuro, fazer com que eu (ou você) fique privado de um tratamento médico adequado. Que poderia ter sido desenvolvido caso as pesquisas não tivessem sido barradas por conta de dogmas que não se justificam aos olhos da lei. (Hoje, até onde sei, as pesquisas estão liberadas, mas tenho certeza de que a galerinha do “pró-vida” não vai deixar barato.)
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Poderia mencionar que nenhum ateu entra em ônibus para fazer pregação nem diz que as pessoas que creem vão arder nas chamas do inferno. Poderia dizer que o fato de acreditar que a vida é uma só me inspira a basear minha vida numa moralidade racional e a buscar o que é verdadeiramente essencial na vida: amor e amizade. Poderia explicar diversos efeitos negativos dos dogmas religiosos (guerras, intolerância, discriminação, violência simbólica...).
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Mas vai que você me diz que estou parecendo um crente tentando arrebanhar fiéis?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Feijoada sem frescura

A feijoada à la Sandrrô, explicada numa verdadeira superprodução. Lembre-se que a feijoada nasceu na senzala: era o feijão que os escravos comiam, enriquecido com farinha e algumas partes consideradas "menos nobres" do porco: pé, orelha e rabo. Linguiça e bacon foram acrescentados bem mais tarde, quando o prato passou a frequentar mesas mais abastadas.

O conceito de cortes "nobres" (que seriam as partes mais carnudas e mais macias do animal) é arbitrário e as pessoas que torcem o nariz para algumas partes do boi ou do porco deixam claro que têm um paladar limitado e que não entendem de cozinha. É um erro, por exemplo, pensar que filé mignon é melhor do que músculo ou bucho (ok, "dobradinha", se você prefere). O filé é, evidentemente, o corte ideal para fazer bife (que, para valer a pena, deve ser grosso e malpassado); músculo é melhor para fazer ensopado; e bucho é muito gostoso. Se você nunca comeu, não sabe o que está perdendo; se já comeu e não gostou, azar o seu de ser fresco!

No caso da feijoada, o rabo, a orelha e o pé conferem ao prato seu aroma característico. Além disso, a "gelatina" do pé, quando bem cozida, derrete na boca e dá ao caldo uma untuosidade e um aveludado maravilhosos. É isso aí: feijoada é coisa muito fina, meu irmão. Não fica devendo nada à paella ou a qualquer prato tradicional da cozinha francesa.

Resumindo a história: feijoada que só tem bacon, linguiça e carne seca não passa de feijão enfeitado!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

"As aventuras de Molière" (e algumas observações sobre vocabulário)

Ontem, seguindo a recomendação de meu amigo Francisco, me diverti muito com “As aventuras de Molière” (Molière). O filme, protagonizado por Romain Duris (que também fez Albergue espanhol e Arsène Lupin), mostra o “pai” do teatro francês passar por diversos apuros e muitas situações hilariantes depois que um burguês o livra da cadeia, onde ele fora parar por causa das dívidas de sua trupe. O objetivo de seu salvador, um homem rico, porém simplório, é seduzir uma jovem viúva da corte (interpretada por Ludivine Sagnier, que participou de 8 mulheres).
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Aqui você confere o trailer:


Na história, provavelmente fictícia, vemos qual teria sido a inspiração para dois dos maiores textos de Molière: Tartuffe e Le bourgeois gentilhomme. Aqueles que tiverem mais conhecimento de francês poderão, também, saborear um pouco a linguagem do século 17. Seguem alguns exemplos:
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Sieur, em vez de monsieur.
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Fort bien, forma hoje erudita de très bien.
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Présent (presente, no sentido de “presente de aniversário”), e não cadeauprésent com esse sentido é, atualmente, um termo literário.
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Baiser no sentido de “beijar”. É bom não confundir: ao passo que un baiser (substantivo masculino) realmente se traduz como “um beijo”, o verbo baiser (transitivo direto ou intransitivo) significa... como dizê-lo de maneira elegante? “Ter uma relação sexual com”. E não é um termo bonitinho como faire l’amour. Na verdade, faz parte de um grupo que inclui outros verbos que chocam ouvidos sensíveis, como niquer, enfiler, enculer, miser ou tringler. A evolução do termo baiser é explicada nesse pequeno vídeo de Bernard Cerquiglini (Merci professeur, no site da TV5). Já na época de Molière, como nos explica Cerquiglini, baiser tinha dois sentidos, o que era evidentemente fonte de humor.
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Para “beijar”, diz-se embrasser ou donner un bisou, mas baiser é usado quando se trata de beijar uma parte do corpo (estou pensando na mão ou na testa!) – Elle m’a baisé la main – embora me pareça preferível dizer Elle m’a donné un bisou sur la main, para evitar mal-entendidos. O substantivo masculino baisemain designa, assim, o gesto atualmente um pouco raro de beijar a mão de alguém, mas o substantivo feminino baise corresponde a algo que não se pode fazer em público. Faire la bise (bise e não baise, cuidado!) é dar aquele cumprimento dos três beijinhos (que podem ser dois, três ou até quatro na França, sendo que não se costuma necessariamente abraçar a pessoa). Um bisou é um “beijinho”, e se enviamos uma carta a uma pessoa íntima, podemos concluir com Bisous ou Je t’embrasse.
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Para “abraçar” (que, na época de Molière, se dizia embrasser), temos serrer (ou serrer dans les bras) e étreindre (de onde sai o substantivo feminino étreinte, “abraço” – accolade é um termo que nunca vi um francês usar e que me parece um tanto antigo). Mas se você escrever uma carta amigável e tiver vontade de encontrar um equivalente ao nosso “Um abraço”, não caia na tentação de dizer Je t’étreins ou Je te serre. A pessoa pode achar que se trata de assédio sexual! Contente-se com algo menos “colante”, como Amitiés, Cordialement, Bien à vous ou simplesmente... À bientôt.

François Ozon (1): "Oito mulheres"

Já assisti três longas de François Ozon, cineasta francês de 41 anos. O que mais me chamou a atenção foi como cada um desses filmes era muito diferente do outro. Sua filmografia, no entanto, conta com muitos títulos que ainda não tive o prazer de ver. Abaixo, coloco a lista dos longas-metragens:
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1998 : Sitcom
1998 : Les Amants criminels
1999 : Gouttes d'eau sur pierres brûlantes
2000 : Sous le sable
2001 : Huit Femmes
2003 : Swimming Pool
2004 : 5×2 (lê-se “Cinq sur deux”)
2005 : Le Temps qui reste
2006 : Angel
2009 : Ricky
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Hoje, gostaria de apresentar “8 mulheres” (Huit femmes), mistura de comédia, suspense e musical (as atrizes interpretam clássicos da música francesa). Confira o trailer. A narração em francês é bastante clara, mas, se você tiver alguma dificuldade para entender, é só conferir as legendas:


Aqui você confere um trailer mais completo (infelizmente, a incorporação estava desativada):
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Trata-se de uma adaptação de uma peça de teatro. Na história, que se passa nos anos 1950, um homem é encontrado morto em sua casa na véspera de Natal, e as suspeitas são oito mulheres (entre elas, a ex-mulher, a filha e a empregada, por exemplo). Toda a ação se passa dentro da casa, e o final é surpreendente. Depois de assistir o filme, veja mais explicações no Wikipédia:
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Abaixo, você confere duas das músicas do filme (as letras estão no comentário).
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Pile ou face (Cara ou coroa), com Emmanuelle Béart:


Papa t’es plus dans le coup (Papai, cê tá por fora), com Ludivine Sagnier:
P.S.: Repito que assisti o filme, não ao filme. Já expliquei por que em outra ocasião.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Edward Current

Já postei um outro vídeo de Edward Current (An Atheist meets God). Esse cara, além de ter um senso de humor muito particular, é ótimo ator. Seu humor é tão singular e sua interpretação é tão boa que a maioria dos comentários que as pessoas deixam nos seus vídeos no Youtube mostra que elas não entenderam a piada! Coisas assim quase me levam a concordar com os criacionistas e a afirmar que a evolução nunca ocorreu...
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No mais, peço desculpas pelo fato de o vídeo estar em inglês e não ter legendas. Infelizmente, ninguém traduziu ainda, e eu não sei como legendar vídeos do Youtube.
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Checkmate, Atheists!


God only SEEMS nonexistent!

cartesiano

penso, logo não sou
...................não sou eu mesmo nem outro
...................não sou verdadeiro
................e não sou falso
........................o espaço branco dentro de mim
........é um olho que calcula, anota e simula,
..........dentro de uma redoma de vidro,
...esperando talvez capturar-se a si mesmo
....................................................a si esmo
.......................................................um dia

não me dou conta, mas contas,
................e conto e conto para mim mesmo,
.....................onde quer que eu esteja,
...........................o que faço e o que sinto,
................e me contento em tentar entender
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é tinto o vinho, a carne é rubra,
eu... não sei: branco, oco, frio,
........quem sabe descubra onde me escondi,
.............................................onde me perdeu...
...........................se eu fosse alguém como eu,
............................................aquém de minha anestesia,
.....................de minha falta de agonia que me angustia e tortura...

a letra O tem meu nome,
...é um ser completo e estanque,
vazio, puro, ideal meu que eu destruiria...
se eu fosse alguém como eu